Profissão candidato
Por Igor Resende - Edição Acredito - dezembro de 2012

Já passava das quatro da tarde do dia 16 de outubro quando José Maria Eymael terminou a reunião em que estava e se disponibilizou para a conversa que já estava atrasada. Na sala de entrada da sede do Partido Social Democrata Cristão (PSDC) em São Paulo, a secretária Tainá tentava se dividir entre o que estava fazendo, o telefone que parecia não parar de tocar e as outras muitas missões que recebia. O motorista Fernando também estava no local. Bem-humorado, consultava na internet uma possibilidade de conseguir outro emprego, perto de casa e que pudesse complementar a renda. Está no partido há um ano e meio e sabe que o trabalho mais pesado acabara de passar.

É Samuel de Oliveira, presidente da comissão diretora do partido no município de São Paulo, quem anuncia que Eymael estava livre para conversar. A sala fica no segundo andar de um prédio na zona Oeste da capital paulista. De um lado, bandeiras do Brasil, do estado, do município e do partido. Do outro, um quadro com um busto do próprio Eymael, presente de um pintor pernambucano que o admira. No centro, uma mesa com tampa de granito que comporta confortavelmente oito pessoas. É uma sala comum de reuniões, sem nenhum grande luxo. São as bandeiras que dão ao local um tom um pouco mais político. Além da pilha de papéis da última campanha eleitoral sobre a mesa.

Eymael está sentado, ainda terminando a conversa com um dos dirigentes do partido que estava na reunião. Está vestido com roupas confortáveis, mas sérias: uma calça cinza e uma camisa social listrada em azul e branco. Nenhum tipo de terno, blazer ou paletó. Tem as mangas da camisa dobradas e aparenta ser uma pessoa não muito vaidosa, mas admite que às vezes se pega admirando o quadro com o seu rosto. “É como olhar no espelho”, diz.

O clima no partido é completamente diferente do que era duas semanas atrás. Quinze dias antes, no começo de outubro, Eymael muito provavelmente nem estaria ali naquele horário. “Estaria na 25 de março, fazendo carreata na Cidade Tiradentes”, fazendo a política de rua, de corpo a corpo, que tanto gosta. As urnas, porém, o deixaram muito longe de qualquer chance de se credenciar para uma disputa de segundo turno para a prefeitura de São Paulo. Foram apenas 5.382 votos, correspondentes a 0,09% do eleitorado paulistano, a segunda pior marca entre os 12 candidatos.

Foi a terceira derrota de Eymael em uma eleição para a prefeitura de São Paulo – fora derrotado em 1985 e 1992, ainda pelo extinto PDC (Partido Democrata Cristão). Também tem três candidaturas frustradas para a Presidência da República. Tentou o cargo máximo da política brasileira em 1998, em 2006 e em 2010. Em nenhuma delas, porém, conseguiu passar da marca de 0,25% dos votos. Foi deputado federal duas vezes, eleito em 1986 e reeleito em 1990, e se orgulha de conquistas pelo trabalhador, mas é mais famoso pelo jingle, criado logo em sua primeira aventura política como candidato.

Não fosse a música, Eymael certamente entraria nas eleições de 1985 com outro nome. Talvez nunca tivesse ficado tão conhecido e acabaria sem a chance de disputar outras eleições. “Estávamos com uma certeza: o nome na urna poderia ser José Maria, JR, mas em nenhuma hipótese seria Eymael. Era um nome muito difícil, tinha um ‘Y’ no meio”, conta. Coube ao alfaiate e militante do PSDC José Raymundo de Castro a ideia da música. Hoje, 27 anos depois, o famoso “Ey, ey, Eymael! Um democrata cristão” já ganhou várias versões. O site oficial da campanha para a prefeitura de São Paulo, por exemplo, disponibilizava a música em ritmos de axé e pagode. O jingle também acompanha todas as campanhas de rua.

“Se transformou no jingle de maior sucesso de todos os tempos. Uma vez um sanfoneiro tocou a música no centro da cidade. Foi lindo”, se orgulha o ex-candidato a prefeito. “Foi o que chamou a atenção, mas o que me ajudou mesmo a ficar conhecido foi a eleição para deputado federal em 1986, com mais tempo na televisão”, completa rapidamente puxando para um dos assuntos de que mais gosta de falar: o período em que foi deputado constituinte e aprovou 145 propostas, “que fazem parte do dia a dia do brasileiro hoje, incluindo a maior parte dos avanços trabalhistas do país.” São dele, por exemplo, as leis que reduziram a jornada de trabalho para 44 horas, que dão direito ao trabalhador ao lazer e que garantem um aviso prévio de no mínimo 30 dias para qualquer demissão que não seja por justa causa.

É justamente por esta visão política que Eymael e o PSDC decidiram “sair de cima do muro” e apoiarem Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), no segundo turno da eleição para a prefeitura de São Paulo. O apoio se inspirou “na história de cada um dos partidos, que têm em comum a luta incessante pelos avanços sociais dos trabalhadores.” Durante a conversa, porém, Eymael parecia ter uma visão diferente, de neutralidade, “para não se comprometer com alianças no futuro”. Ele mesmo, porém, também já falava de sua admiração pela presidente Dilma Rousseff. “É uma mulher centrada, determinada. Está fazendo um grande trabalho. E já é um incentivo para as mulheres entrarem no processo político”, diz.

Gaúcho de nascimento e mais velho dos sete filhos de um servidor público, José Maria Eymael começou sua vida política em Porto Alegre como presidente do centro acadêmico da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Também cursou direito na mesma instituição de ensino. Depois, ainda comandou a Federação dos Estudantes Particulares do Rio Grande do Sul. Aproximou-se da democracia cristã quando se filiou à Juventude Operária Católica (JOC) – “um movimento de jovens, pelos jovens e para os jovens com ações para intervir em problemas sociais”. “Foi a grande responsável pelo início da sindicalização dos trabalhadores do estado”, conta.

Eymael tem muitas frases decoradas na cabeça. Para alguns assuntos, já tem a resposta na ponta da língua. “O trabalho não é mera mercadoria, mas a expressão da dignidade humana”, explica quando perguntado sobre a doutrina da JOC, citando um trecho da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, na qual se baseia. “É a primeira carta dos trabalhadores do mundo”, diz. A encíclica também aparece no manifesto do PSDC, o partido que ele mesmo fundou para “salvar a democracia cristã” em 1995.

Nas palavras do próprio Eymael, a doutrina política quase foi extinta por duas vezes no Brasil. A primeira em 1962, quando o segundo Ato Institucional do regime militar acabou com todos os partidos do país, entre eles o PDC, para criar a dualidade entre Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Depois, quando o mesmo PDC decidiu se fundir com o Partido Progressista Reformador (o PPR, que depois se transformaria no PPS de Paulo Maluf), em 1993.

Eymael não participou do que chama de “primeira tragédia” da democracia cristã, mas tentou liderar uma resistência em 1993. Acabou vencido. “Nós tínhamos quase 500 diretórios em São Paulo. Na noite do dia 3 não tinha mais nenhum. Sabe o que é ter um exército e no dia seguinte não ter mais nada? Nada? Zero! A democracia cristã pagou um preço altíssimo por isso.”

É o próprio Eymael que refunda a doutrina no Brasil dois anos mais tarde e já com a sigla PSDC. “Nunca aceitei a extinção da democracia cristã. Nunca. Tanto é que às 3 horas da tarde do dia da convenção que acabou com o PDC eu peguei uma folha de papel e escrevi o seguinte. ‘São 3 horas da tarde do dia 3 de abril de 1993. Eu velo solitário à também solitária e imensa e triste agonia da democracia cristã. No passado, foi a mão fria do regime militar que lhe negou a existência. Hoje são os próprios dirigentes que lhe cortam a vida quando tinham o poder de perpetuá-la. Mas no amanhã que será próximo ela renascerá. E quando renascer, será eterna’”, discursa politicamente para contar como fundou o seu partido em 1995.

Nesta época, Eymael já tinha sua vida toda construída em São Paulo. Mudou-se para a capital paulista em 1964, contratado por uma empresa multinacional após ser o melhor da turma de Direito da PUC-RS. Desembarcou em terras paulistanas com a esposa, uma filha de seis anos e um pequeno patrimônio físico. “Tinha um carro velho, um Taurus importado. Mas sempre acreditei muito no meu trabalho”, diz. Hoje, 48 anos depois, tem um patrimônio declarado de R$ 4.396.720. “Tudo fruto do meu trabalho”, garante. Entre as riquezas declaradas aparecem três casas, um apartamento, quatro carros e uma lancha, além de investimentos e das participações no posto de gasolina e nas duas empresas que possui - a companhia de relações públicas Grunase (Grupo Nacional de Serviços), que fundou logo em 1968, e a imobiliária TerraSul.

Em apenas dois anos, entre a eleição para presidente de 2010 e o pleito para prefeito de São Paulo em 2012, Eymael enriqueceu mais de um milhão de reais. Declarou à Justiça Federal na última vez que concorreu a um cargo público um patrimônio de R$ 3.113.866. A diferença de R$ 1.282.854 surpreende, mas é tratada com naturalidade pelo político. “Esse salto de patrimônio foi fruto da venda de um imóvel. Há alguns anos comprei um terreno na região de Alphaville e construí. Agora vendi e ganhei dinheiro. Naquele tempo o terreno era mais barato”, explica sem se abalar. O imóvel foi vendido pela própria TerraSul.

Nos últimos anos, Eymael vem sendo figura cativa nas principais eleições do país. Como político, diz que sempre entra em uma disputa com a pretensão de ganhar. Aos poucos, porém, admite que a possibilidade de assumir um cargo tão alto quanto os quais pretendia não chegou a passar pela sua cabeça. “Quando você entra em uma eleição também sabe o subproduto que você vai ter se não eleger. É o adensamento da imagem do partido”, diz.

Durante todos esses anos, o objetivo parecia ser claro na cabeça do presidente do PSDC. Eymael não acreditou que se tornaria presidente do Brasil, mas pensou que seu partido teria um espaço maior no cenário nacional. “A gente que saiu de tanta dificuldade chegar nesse patrimônio... agora é só crescer”, diz, sem esconder a alegria.

Por duas vezes na carreira, Eymael diz que só se candidatou para mostrar que a democracia cristã estava viva – à prefeitura de São Paulo em 1986 e à presidência da república, 12 anos depois. Até por isso, o presidente do PSDC não tira da cabeça os números da eleição que acabara de passar. Foram eleitos 432 vereadores, com presença em 11 capitais do país, além de mais oito prefeitos. A expectativa do partido é que no mínimo 15 deputados federais do partido sejam eleitos em 2014, o que aumentaria o tempo de televisão do partido em 2016, criando um “efeito cascata” de melhores performances políticas. Esperanças que são fruto do bom desempenho neste ano. Até hoje, o PSDC só teve um federal eleito, mas o carioca Reinaldo Betão se filiou ao PL antes de assumir o cargo. A melhoria nos números e a boa expectativa já fazem Eymael falar em encerrar a sua carreira como candidato.

“Eu acredito que meu ciclo já foi cumprido. O PSDC já está andando, crescendo, é um partido que consegue vereadores em 11 capitais brasileiras. Esse período do desbravamento já foi vencido”, diz. Nem a possibilidade de ele mesmo se eleger como deputado federal o faz mudar de ideia. “Não tenho mais vocação para o parlamento. Na vida, tudo tem tempo. Hoje minha grande missão é continuar fazendo com que o partido se desenvolva. Eventualmente ainda posso cumprir alguma missão eleitoral, mas não é esse meu horizonte”, explica.

Por colocar sua imagem à serviço do partido, Eymael é alvo de brincadeiras. O jornalista José Simão, colunista da Folha de S. Paulo, ironizou o fato de o presidente do PSDC só aparecer a cada dois anos – período eleitoral do Brasil. “Minha grande dúvida é: para onde vão o Levy Fidelix e o Eymael, que só aparecem na eleição? Acho que eles vão pra Tanzânia, para as grandes migrações, e voltam a cada dois anos. Eles migram pra Tanzânia”, escreveu.

Eymael não gosta muito de tocar no assunto. “É duro... é um jornalista que não sabe das coisas. Não sabe nada. Mas não é só ele não. Se beneficiam das coisas que eu fiz e não sabem. Se ele soubesse tudo que fiz pelo país não escreveria isso. Ele usa das coisas que consegui e nem sabe...”, diz. É o único assunto que parece realmente incomodar o político durante toda a entrevista. Sempre que podia, voltava a falar sobre Simão e elencava todas as conquistas para os trabalhadores que havia conseguido como deputado constituinte.

O presidente do PSDC não gosta nem mesmo de ser comparado com Levy Fidelix. Levy tem um perfil que se assemelha ao de Eymael. É candidato a cada dois anos nas principais eleições do país, é o grande nome do partido que ele mesmo fundou – o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) - e também tem as suas marcas registradas: um pomposo bigode e a ideia de construir um aerotrem.

Eymael, porém, usa o seu passado como deputado para evitar a comparação. A própria assessora de imprensa do PSDC, Luciana Paulino, já havia avisado que este não era um assunto que o ‘chefe’ gostava de ouvir. “São histórias políticas diferentes, carreiras bem opostas”, explicou. Para driblar a situação desconfortável, o presidente do Partido Social Democrata Cristão recorre a uma história de quando era deputado federal. Na época, ajudou um grupo de aviadores da Força Aérea Brasileira (FAB) que havia tido os direitos políticos e os direitos de exercer a profissão cassados durante o período de ditadura militar. “É mais uma história que, se o Simão tivesse lido, teria vergonha de escrever o que escreveu”, diz.

Quando não é candidato, Eymael realmente não aparece tanto, mas continua com atividades relacionadas à política. Com as suas duas empresas já bastante desenvolvidas, ele deixa o comando delas nas mãos de outras pessoas e libera tempo para se dedicar ao cargo de presidente do PSDC. “Não sou mais tão exigido nos meus negócios. Minha vida é o partido. Minha vida é a democracia cristã”, diz. Ele viaja, faz reuniões e busca apoios, sempre pensando nas eleições que estão por vir.

No futuro, é possível até que um novo Eymael apareça no cenário político brasileiro. José Carlos Selbach Eymael, filho do atual presidente do PSDC, já tentou se eleger como vereador em 2008, mas não teve sucesso. “Ele não se esforçou como devia. Política tem que ser feita na rua. Vamos ver se agora vai”, brinca o pai, que garante que não tem nenhuma influência sobre a decisão do filho em manter a família na política. A família, aliás, é um dos grandes pilares do PSDC. Eymael diz se esforçar “para manter uma relação intensa com sua mulher e os dois filhos”.

Com a palavra “cristã” no nome da doutrina e do partido, é de se esperar que também haja uma grande aproximação com a Igreja. Eymael, porém, é contra isso. “Utilizar a Igreja como instrumento politico é um erro. Cada um de nós tem sua religião e isso diz respeito às pessoas”, diz. “A democracia cristã não é criada com ligação a nenhuma igreja. Na Itália surge com um líder católico. Na Alemanha, com um evangélico. Já no nascedouro não há um comprometimento com religião. A democracia cristã tem um compromisso vertical com liberdade, justiça e solidariedade, que são os princípios do cristianismo. Eu mesmo sou católico e meu candidato à vice era evangélico”, explica.

Além de político, Eymael é também um sonhador. E tem em Juscelino Kubitschek sua grande inspiração. “Compreensão do presente, mas com os olhos do futuro. Um visionário”, diz. Depois de se colocar a frente de missões que ele mesmo considerava quase impossíveis nas últimas eleições, o presidente do PSDC sonha com um futuro diferente para a doutrina política que ajudou a construir. “Nós somos uma onda. E quando essa onda se move, todos se movem juntos. Essa onda um dia vai ser tão forte que nada mais vai poder suportá-la”.

Em uma analogia com o xadrez, Eymael é ao mesmo tempo um peão e um rei. Coloca-se à disposição para desbravar territórios, mas ao mesmo tempo é a peça mais importante de toda a engrenagem que move o PSDC. É a cara de toda uma doutrina política. “É um sentimento de muita responsabilidade”, admite. Ao mesmo tempo, porém, não tem papas na língua para divulgar ainda mais o seu partido e seguir fazendo com que ele cresça. Termina a entrevista com um convite. “As portas do PSDC sempre estarão abertas para você se filiar”, diz sem esconder o sorriso.



Nesta Edição
Anteriores
Home | Expediente | Home Atual