Amarra-se o cavalo à vontade do dono
Por Andressa Pellanda e Denise Eloy - Edição Acredito - dezembro de 2012

Se a carruagem quebrar, o cocheiro continuará vivo...*

A música se misturava com o barulho que vinha da presença de tanta gente. Ela olhava para o homem, com duas facas e um cristal nas mãos, sob um fundo de luz avermelhada. Tadzia era uma criança. Tinha entre cinco e seis anos de idade ficou assustada com o que via. Ele pousou uma faca em seu pescoço, de lado. A outra, encostando, posicionou-a na diagonal da garganta. Ao mesmo tempo, falava e virava os olhos. A mãe se aproximou na tentativa de acalmá-la. “Perdi o medo mais pela magia da situação”.

Eram marcações com uma caneta. Apesar do aviso do médico alemão, encarnado na mulher pequenina, os traços não cortavam a pele de Camila. Era apenas uma caneta. A mulher mexia, riscava, fazia curativos com esparadrapos, juntando partes da coluna. “Eu fui para uma consulta e essa pessoa fez um exame geral do meu corpo, da áurea mesmo. Ela percebeu que tinha um desvio na minha coluna”, conta. “Eu não cheguei com essa demanda, ela que notou”. Ela nunca havia sentido problemas nessa parte do corpo antes.

Por que meus pacientes otimistas evoluem melhor que os pessimistas? Foi essa a pergunta que o médico Marcos fez no auditório lotado da biblioteca da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP). A dúvida persistia durante sua vida dedicada à medicina. O infectologista já tratou muitos pacientes com AIDS, que vinham com um estigma, com a sensação de morte. “Eu tinha um paciente com imunidade tão baixa, tão baixa, que não era possível estar vivo. Qualquer coisinha ele pegava uma infecção. Daquelas oportunistas. E uma vez ele falou: - Eu vou ficar bom.” O paciente começou a melhorar, a imunidade subiu. Parecia inacreditável.

Ele acendeu um incenso, fez uma reza. Michelle deitou na maca e viu uma lâmpada colorida. Era roxa. Segurando um bastão com um cristal em cima, pediu que fechasse os olhos e que ficasse relaxada, mas concentrada. Deixe seu corpo descansar, deixe sua mente descansar. Seus braços e suas pernas pesaram. Estalou sete vezes os dedos, disassociando os corpos. Michelle não sentia nada além da presença do homem, rezando baixo, girando ao redor de seu corpo estendido na maca. De repente, parou e posicionou suas mãos perto dela.

Trabalhou junto com os outros seis mentores, harmonizando cada corpo, cada chakra. A reza era pesada, como de seita, pensou ela. “Pelos poderes do fogo, peço para que se feche o chakra do coração...” e assim, mais seis vezes, para cada um dos outros chakras. Estalou sete vezes os dedos. Durou vinte minutos, nada mais.

“Fiquei sabendo de um curso de naturologia. É muito engraçado, porque eu não fui fazer para trabalhar, eu fui fazer para mim, para me curar”, conta Ana Lucia. “Vocês estão aqui para se formarem terapeutas, mas digo que, antes disso, vocês serão curados” foi a frase de abertura do curso. Cada aula que passava, aprendia novas terapias, novas práticas, novas formas de cura. Ela dava de ombros “ah! vamos ver se funciona”. O curso durou dois anos. Em dois anos, se viu curada.

A carruagem, os cavalos e o cocheiro fazendo a corrida.*

A voz sumiu, as amigas apareceram e a vida seguiu

Pouco antes de sua cura espiritual, Tadzia Oviedo, 25, teve uma gripe forte, com dor de garganta. Iniciou-se uma rouquidão estranha, que não passava e tinha hora para acontecer. Todos os dias, a partir das 18h, a voz sumia. “E eu lembro da sensação, que era muito estranha. Eu simplesmente perdia a voz e não sentia dor na garganta. Ela simplesmente sumia”.

O cristal, nas mãos do homem que realizava a cirurgia em Tadzia, fazia os pontos. “Eu sentia a faca encostando em mim, fazendo o caminho de um rasgo, mas continuava intacto”. Ela repetiu duas vezes a cura e, entre uma cirurgia e outra, tomava uma mistura de ervas com leite. Na segunda ida ao centro de Umbanda, sua voz já não sumiu mais ao entardecer. A rouquidão tinha passado.

Tadzia, quando criança, via muitos vultos, via outras crianças. Para ela, era normal; ainda mais na fase da infância e dos amigos imaginários. “Eu via os meus amigos. Não sei se eles eram fruto da minha cabeça ou se realmente eram espíritos que brincavam comigo diariamente. Eu não tinha irmãos, era filha única, a novinha da casa”.

Todos os dias, seus amigos tocavam à campainha. Quatro meninas, na época suas melhores amigas, entravam para brincar. Cada uma com sua própria personalidade. “A gente tinha um lugar pra se encontrar, no quartinho do fundo. Todos os dias. Elas foram sumindo aos poucos. E sobrou só a Taís, que foi a última a ir embora”.

O tempo foi passando e ela continuou vendo os vultos, sempre na casa da sua avó, lugar em que morou até os seis anos. “Sempre que eu voltava a ver, eu estava na minha avó, independente da casa”. A avó mudava de casa, mas as visões e vultos a acompanhavam. Dos 9 aos 15, ela já não se recorda de nenhuma situação parecida. Sua sensibilidade voltou novamente no lugar de sempre, a casa da avó. “Eu levava um susto, mas era isso. Na minha casa eu tinha medo, mas não via nada. Era rápido, não realizava nenhum contato e a imagem não ficava por muito tempo”.

Um dia, já na adolescência, Tadzia viajou com amigos para Florianópolis. Em uma das noites, resolveram ir a uma praia distante, grande, na capital catarinense. “Chegou uma hora que eu fiquei extremamente incomodada, porque atrás de mim estava lotado, lotado de pessoas. E eu sabia que não eram pessoas encarnadas sentadas ali comigo. Elas estavam presentes. Não eram vultos, eles estavam convivendo ali”.

O incômodo com a situação surgiu junto com questionamentos: por que estava vendo tanta gente? O que precisava fazer? “Até que uma hora eu percebi que tinha uma criança sentada do meu lado. Ela estava ali, ficava agachadinha e eu, incomodada, porque ela estava olhando na minha cara. Resolvi contar para minha amiga. O mais louco é que ela também estava vendo essa mesma criança. Não via os outros, só a criança”. As duas foram embora, nervosas, no meio da multidão vestida de preto. Tadzia não sentia medo, mas uma sensação de não saber o que fazer com aquilo. “A gente foi embora para fugir da situação”.

Você pode ir a nado, mas de barco é mais rápido

Fortalezense, Camila Rocha, 22, estuda na Universidade Federal do Ceará e é integrante doLaboratório de Estudos sobre a Consciência (LESC-Psi). Criado em 2004, surgiu como um grupo de pesquisa, posteriormente integrando ensino e extensão, o famoso tripé da universidade pública. Um dos seus objetivos é estudar a temática da consciência, focando em quatro linhas: ConscientizaçãoEstados da Consciência; Fenômenos Psi; Problema Mole e Problema Duro em Neuropsicologia. As linhas abarcam desde processos de ampliação da consciência e sua relação com a saúde, até práticas de psicologia comunitária e social.

“Eu já tive experiência, não sei na verdade como nominar, mas é expansão de consciência sem nada, do nada”. Camila estava na faculdade, deitada. Quando se levantou, sentia-se estranha. Na iminência de atravessar a Avenida da Universidade, uma das maiores do bairro Benfica, em Fortaleza, Camila percebeu que não conseguia calcular distâncias e que sua percepção de espaço estava alterada. Na ampliação da consciência, os espaços e tempos mudam radicalmente.

Voltou para a faculdade, ainda assustada, deitou-se novamente e esperou. “Mas esse ‘esperando passar’ foi uma viagem muito interessante. Eu lembro que a minha mãe me disse que tinha a mesma coisa, só que desde criança. Ela chamava isso de ausência. Já tomou remédio, fez exames neurológicos, mas nunca descobriu nenhuma anomalia. Certo dia, conversando com ela, depois que eu já tinha estudado algumas coisas, ela disse que continuava sentindo, é perceptível. Só que ela lutava contra essa situação e acabava desmaiando. Já no meu caso, eu  deixava vir... A coisa fluía mais, é muito agradável”.

Seu envolvimento com o tema, além do lado acadêmico e de saúde, entra no aspecto religioso e espiritual propriamente ditos. Ela passou a frequentar sessões da União do Vegetal, religião baseada no chá de Ayahuasca. Não é só a ingestão do chá, e sim, um ritual e uma energia entre os praticantes que se interligam. “Se alguém está muito mal, fora da energia, afeta os outros. Funciona como uma comunidade, as pessoas frequentam sempre. Elas são associadas ou liberadas para participar das sessões”.

Camila relembra que o chá era usado como um indutor, não como um instrumento necessário para a expansão da consciência. Podemos entender através de uma metáfora: “Você pode ir à nado, mas você pode ir de barco”, diz. O ritual em grupo flui melhor e os questionamentos individuais podem ser construídos e resolvidos coletivamente.

A estrutura da sessão é baseada em perguntas e o mestre atua como um facilitador. Os sentimentos oriundos da experiência são amplos. Você pode sair com uma sensação de leveza e de alegria, mas também pode “apanhar na borracheira” - expressão utilizada para os momentos em que as pessoas passam por situações que as despertam, em que têm insights, dão um passo à frente na resposta a seus questionamentos. Isso ocorre quando estão passando por situações complicadas na sua vida pessoal. “Talvez você esteja precisando ou simplesmente não está bem mesmo. Ela [a sessão] pode ser boa e você sair arrasado, fisicamente, mexido. Eu já senti essas duas coisas”.

Mais importante que o chá, Camila explica sobre o papel do trabalho em grupo. “Alguma coisa fazia com que eles colaborassem também em outros aspectos. Pra mim aquele grupo era além daquele momento de sessão especificamente. Parece que aquela energia continuava, com certos trabalhos grupais. Mas a questão da consciência é nítida e forte”.

Eu vou ficar bom

Marcos Boulos é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e fez uma palestra no 1º Simpósio “Ciência, Espiritualidade e Saúde”, no dia 25 de outubro. Ainda reflexivo sobre o poder da mente e da espiritualidade na cura de doenças, relembrou o caso inesquecível de seu paciente soropositivo.

“Passados dez anos, um dia ele chegou, sentou na minha frente e disse: - Doutor, eu dou graças a Deus por ter essa doença. Ele percebeu meu susto: como alguém pode dar graças a Deus por ter AIDS? “O senhor vai entender. Quando descobri que estava doente, nunca tinha passado por nada parecido na minha vida. Agredia meus pais. Vivia fora de casa. Não tinha amigos, não tinha nada. De repente eu percebi que eu podia morrer. Comecei a beijar as pessoas, que eu não sabia se ia vê-las mais. Comecei a tratar as pessoas com mais carinho. Comecei a me relacionar melhor com todo mundo.”

Marcos baseou suas reflexões em diversos estudos conceituados que tentavam entender melhor a relação entre a espiritualidade e a ciência médica, a mente aliada ao corpo. Ao perguntar para a plateia atenta se o estresse poderia causar doenças, ouviu um sonoro “sim”. Entre os estudos destacados, um deles tratava de mulheres detectadas com o vírus HIV. A equipe que compôs a pesquisa acompanhou durante cinco anos as pacientes. Foram 765 mulheres. Uma das conclusões afirmava que aquelas com sintomas depressivos crônicos tiveram duas vezes mais chance de morrer.

E ele não parou nas doenças propriamente ditas. Para mostrar que a capacidade da mente vai além, Marcos falou de uma das “joias da epidemiologia”, segundo suas próprias palavras. Em 1979, foi feita uma análise de absolutamente todos os fatores durante nove anos em uma localidade. Uma das constatações: a mortalidade era 2,3 vezes maior para homens e 2,8 maior para mulheres com menor suporte social. Eles não estavam doentes, mas eram pessoas solitárias. Assim, essas pessoas morriam duas a três vezes mais do que aqueles que tinham relações sociais mais intensas e fixas. O médico finaliza, categórico: “Quem tem relações sociais menos intensas, morre mais”.

Tem um vento na sua cabeça, se acalma menina

Depois de uma hepatite medicamentosa, Michelle Guerrero, 31, começou a sentir fortes dores no fígado. Foi a quatro médicos diferentes, dois gastroenterologistas e dois hepatologistas. Mesmo resultado. Pilhas de exames demonstrando funções hepáticas normais. Repetiam quase em coro que, pelo histórico de hepatite, o fígado se tornou sensível, que ela teria que conviver, cuidando de sua alimentação, não tomando remédios fortes, sem fazer reposições hormonais caso
um dia precisasse.

Eles não conseguiam fazer melhorar, não tinha jeito, não tinha remédio, nada. Não conseguia mais lidar com o problema, doía e incomodava demais. A resposta, científica até demais, era que fígado não sente dor, não tem terminações nervosas para isso. “Minha terapeuta, então, me indicou a apometria”.

Não é uma religião, é um método, uma cirurgia espiritual, que funciona pela associação dos corpos. Na primeira vez, ela ficou meio apreensiva, porque não sabia o que iria acontecer. “Eu confio muito na minha terapeuta, que foi quem indicou, eu pensava comigo que, se ela disse que esse negócio é bom, é porque vai me ajudar.” No começo, se não acredita, parece um teatro. Ele acende um incenso, tem uma luz, um bastão, um instrumento de fluxos de energia. Ele faz várias rezas. Às vezes, ele fala umas coisas incompreensíveis, quase sussurrando. É um ritual mesmo.

De algum jeito estava fazendo bem. Michelle conta que, em suas seis sessões, chegava muito ansiosa e o homem dizia “tem um vento na sua cabeça, tem muita coisa, se acalma, menina”. Ele é um mestre, que trabalha com seis mentores. Assegurava que se trata de um tratamento espiritual, “ele dizia isso”.

Tão diferente, mas confirmando os laudos médicos, com uma pequena interpretação a mais, que fez toda a diferença. “Você não tem problema nenhum no fígado, o negócio é sua cabeça”. O fígado é o órgão que recebe toda a raiva contida. Tudo fez sentido e a cura começou.

A apometria consiste na separação dos sete corpos, das sete áureas, para reassociá-los em harmonia, em equilíbrio. Os chakras, em conjunto, formam um campo de energia. Quando o ser tem algum problema, seja ele emocional, ou físico, uma doença, esse campo energético se abre, como se fosse uma teia com um buraco. A apometria trabalha as emoções para fechar essa teia. “É basicamente energia”.

Quebrando o tabu

“É preciso entender que a espiritualidade vem de uma conexão com seu eu superior, com seu eu divino. Apesar de as religiões serem diferentes, de terem dogmas diferentes, elas falam a mesma coisa.” A conversa com a pesquisadora Ana Lucia Lumazini de Moraes, da Faculdade de Saúde Pública da USP, começou com uma volta na história da medicina e das religiões.

A partir do século XVIII, com o Iluminismo, o ser foi dividido. A medicina passou a olhar somente o corpo. Foi só com o advento da psicologia, da psiquiatria, com Freud, no século XIX, que a ele se agregou o estudo da mente. “Os médicos tinham medo que tratar o ser como um todo acabasse sendo considerado um tabu”, explicou com detalhes. Cada vez mais vêm se acumulando evidências científicas de que há um efeito da espiritualidade sobre a saúde física; o stress; as doenças psicossomáticas, as cardiovasculares, as renais; de todo tipo.

Estados de consciência e espiritualidade eram departamentos das religiões. Agora, a medicina e a religião começam a trabalhar juntas. A religião segue a tradição e acredita. A ciência, por outro lado, quer averiguar. “Todos os artigos que chegaram à conclusão que a espiritualidade tem efeitos positivos nos tratamentos colocaram, na conclusão, que são necessárias mais pesquisas”, enfatizou várias vezes, deixando lacunas a serem interpretadas.

A carruagem, o corpo
Os cavalos, as emoções
O cocheiro, a alma*

Não se tratava de estatística

Depois de duas perguntas sobre casos concretos de cura no centro de saúde e balbuciando um pouco, Ana contou sobre sua doença e sua experiência de cura. “Eu me interessei por naturologia porque descobri que tinha uma doença crônica evolutiva e hereditária chamadaespondilite anquilosante. Na época eu estava bastante debilitada, fisicamente, emocionalmente. Comecei pelas terapias integrativas que já existiam aqui, homeopatia e acupuntura. Eu já estava há sete anos muito mal. Fiquei sabendo de um curso de naturologia”. No fim, a história falou bem mais que uma estatística, porque tinha uma crença, tinha um rosto.

É real

Entre as sessões, o mestre foi descobrindo coisas que Michelle não sabia que tinha. “Ele mexia muito com meu útero”. Você tem alguma coisa no útero? Não, não tenho nada. Saiu de lá perturbada, fez exames e descobriu um mioma dentro do ovário direito. Voltou para mais uma sessão. Mais exames comprovaram: o mioma tinha sumido. Não existia mais. Não tenho mais nenhum mioma.

Ele explicava que, depois de cada sessão terminada, os mentores continuariam a trabalhar, durante seu sono à noite, quando os corpos se dissociam naturalmente. Assim, Michelle poderia ouvir vozes ou sentir-se mal. “Eu não cheguei a ouvir coisas, não cheguei a sentir nada de diferente, mas eu me senti melhor e o mioma no meu ovário sumiu. São as coisas que eu posso dizer que são realistas, são reais.”

Acreditar salva vidas

Talvez seja necessário voltar uns bons séculos para entender melhor a relação mente-corpo. Foi isso que Marcos fez durante sua palestra no simpósio. E uma das definições que abordou foi de Aristóteles: “A psique e o corpo reagem complementarmente um com o outro no meu entender. Uma mudança no estado da psique produz uma mudança na estrutura do corpo e o inverso”. O filósofo disse a sentença quatro séculos antes de Cristo. Hoje ainda estamos debatendo a mesma questão. O surpreendente foi ouvir de um médico que a medicina não é uma ciência biológica, mas uma ciência humana fundada em bases biológicas.

Ela já tinha percebido

Camila foi algumas vezes nas consultas com o médico alemão, mas logo deixoude frequentar. Meses depois, ela teve uma crise na coluna, a primeira de muitas,  e foi ao médico fazer exames. Acabou tendo que fazer fisioterapia, com o cuidado para não virar uma hérnia. “Eu não sei dizer exatamente da cirurgia espiritual. Na época eu me sentia bem, mas eu também não dei continuidade. Acabei não voltando nela. Só depois descobri que tinha problemas de coluna, com os exames, mas ela já tinha percebido há muito tempo. Sem me submeter a exames, a nada”. Depois de um tempo, Camila se encontrou com a mulher, com uma atitude diferente e com uma voz completamente distinta das lembranças de suas consultas, era mais aguda, mais feminina.

O que eu faço com isso?

“Sempre que eu vejo eu me pergunto se vai voltar, o que devo fazer”. Entre o ano passado e esse, Tadzia viu presenças duas vezes, em situações diferentes. Mas, apesar de todo o histórico, ela não consegue definir sua religião ou mergulhar na descoberta da sua espiritualidade. “É uma coisa da qual eu preciso cuidar. O que eu faço com isso?”. Enquanto há no mundo pessoas com fé inquestionável, mesmo sem nunca viver experiências de contato, a vivência de Tadzia é reversa. “Minha espiritualidade é muito estranha. Não sou ligada a nenhuma religião e tenho muita dificuldade de acreditar em qualquer coisa”.

Ela e a tia são as mais sensitivas da família, assim como as mais resistentes a acreditar. Desde pequenas são assim. “E a gente não faz nada com isso, porquenão sabemos a quem recorrer, porque a gente não acredita nas coisas. Sei que tenho que fazer alguma coisa em relação a isso. Não é a toa que há 25 anos eu tenho essa ligação e ela não some”.

Quando perguntada por sua psicóloga sobre o porquê de ela não fazer orações nesses momentos, Tadzia explicou: “Eu nem sei o que rezar, eu não sei como rezar. Eu não acredito no velhinho do cajado, acredito em artefatos. Por exemplo, meu amigo me deu um cristal porque eu estava numa fase ruim. E esse cristal tem um super valor pra mim. Eu guardo, levo para todos os lugares. Mas se você me perguntar o que esse cristal significa, eu não sei. É uma coisa que veio de um amigo. Me apego a coisas materiais, mas não consigo elevar a uma coisa transcendental. E eu acho que eu preciso trabalhar isso de alguma forma, porque tem a ver com as coisas que eu vejo”.

*A alegoria da Biga Alada de Platão, com cavalos, carruagem e cocheiro, foi contada por Sócrates a seus discípulos na prisão, dias antes de morrer, deixando a eles sua eternidade.

Ilustrações: Daniel Argento



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