No Banco do Motorista
Sendo quase despercebidos, os taxistas vivenciam histórias, dificuldades e surpresas que nenhuma outra profissão proporciona
Por Pedro Gallo e Gustavo Pessutti - Edição Anônimos - junho de 2013

“É sempre muito rápido, mas uma vez a mãe com o filho falou assim ‘segue aquele carro’ e eu saí seguindo - supostamente era o marido dela que estava no veículo. Fui seguindo até uma rua na Mooca e aí ele parou, saiu do carro e seguiu a pé - acho que ele percebeu que a mulher estava seguindo. Ela mandou continuar seguindo-o com o carro, mesmo que ele estivesse a pé. Aí ele atravessou a rua e deu meia-volta, ele falou ‘vou despistá-los’. Ela falou ‘moço, faz a volta, faz a volta’ e ela sempre pedindo desculpas, porque é uma situação bem... Ela mandou me aproximar dele e a hora que eu estou chegando perto dele ela abriu a porta com tudo e socou a porta no marido. ‘Você não tem vergonha? Olha seu filho aqui’. ‘Onde já se viu, você está atrás de outra’, que ele estava indo visitar a amante. Ela chegou até a machucar o braço dele. Ela desceu do carro, continuou a briga lá, me pagou e eu fui embora. Essa foi uma, uma de várias.”

A história contada por Maurício Silveira, de 48 anos, é apenas uma entre inúmeras que acontecem diariamente com taxistas no Brasil inteiro. Quietos ou falantes, tímidos ou extrovertidos, os motoristas particulares de aluguel presenciam e vivem o tempo todo os problemas, a loucura e a excentricidade do ser humano. Trabalhando durante a tarde ou de madrugada, sentados sempre atrás dos volantes dos táxis, tais profissionais são testemunhas ocultas da rotina urbana, confessionários anônimos de passageiros atribulados.

A passageira de Maurício está longe de ser a primeira ou a última pessoa a utilizar os serviços de táxi para seguir o parceiro (a) adúltero (a). Conforme os próprios taxistas revelam, é muito rápido e comum aparecer homens e mulheres querendo seguir outras pessoas em casos de traição. Com 25 anos de profissão nas costas, Maurício Silveira conta que tal tipo de situação já lhe ocorreu em várias oportunidades. No final da década de 1980, impulsionado pelo pai e por um desemprego torturante, o então contador viu no táxi a oportunidade de garantir o sustento de sua família e não o largou mais.

Ao lado de Maurício estãocerca de 33 mil de profissionais que dirigemtáxisda cidade de São Paulo. O número de pessoas que trabalham com táxi na capital paulista é equivalente ao público que lotaria o Estádio Barradão, do Esporte Clube Vitória, em Salvador. De acordo com números do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP), a média é de13 passageiros por veículo na cidade. São dois mil e trezentos pontos espalhados por vias públicas, imediações de hotéis e estabelecimentos comerciais de grande porte (hipermercados, shopping centers, estações de metrô, terminais rodoviários e aeroportos). Além disso, quatro mil desse total de táxis pertencem a frotas.

Os taxistas revelam que o carro funciona como uma espécie de “divã” para os passageiros. O motorista, por sua vez, acaba se tornando um psicólogo informal. Em muitos casos, as pessoas querem desabafar ou simplesmente conversar sobre os problemas da vida. Com cinco anos de profissão, o ex-representante comercial Eduardo Pregusso, de 42 anos, conta que passageiros em angústia ou desespero por causa de alguns problemas são comuns no cotidiano do taxista.

“O carro é um divã. Tem gente que pega o carro, você roda, roda, roda e a pessoa vai batendo papo, desabafando, chora, xinga a pessoa, tem diversos assuntos. Uma que me marcou foi de traição. A mulher pegou o táxi, falou que pegou o marido dela na cama com a amiga e saiu de casa pegou o táxi, nós ficamos rodando, rodamos mais de uma hora e meia por São Paulo. Ela falou ‘moço, dirige’. Eu fui dirigindo, ela foi falando, foi desabafando, comentando. Você tenta, você ouve, é que não tem muito o que falar e o que fazer. Você não conhece a pessoa e não sabe o que tá acontecendo e você só ouve”, contou Eduardo.

Em algumas situações, mais do que contar os problemas para o taxista, os passageiros trazem os problemas para dentro do carro, podendo, inclusive, prejudicar o profissional que está dirigindo. Conforme os próprios profissionais revelam, demonstrações de loucura ou comportamentos exagerados são bastante corriqueiros dentro de um táxi. Eduardo Pregusso, que há cinco anos estava desempregado e entrou no mercado de táxis por meio de uma frota, revelou: “Um casal quase chegou a transar dentro do meu carro. Eu pedi pra eles pararem. Pararam, mas o rapaz não gostou muito não. Falei ‘Dentro do meu carro não é motel. Se você quiser te deixo em um, tem n moteis aí na rua, no meu carro não’. Aí ela falou ‘ah, deixa vai’. No meu carro não”.

Já para José Cássio Caires de Jesus, de 41 anos, a loucura de algumas passageiras poderia ter lhe rendido problemas mais graves. “Logo quando eu comecei eu peguei umas três meninas assim e, de repente, no meio da Consolação elas começaram a arrancar a roupa e jogar para fora do carro. Ficaram todas nuas dentro do carro e eu desesperado porque não sabia se elas eram ‘de menor’ ou ‘de maior’, o que poderia sobrar pra mim, eu estava começando. Eu jogava uma roupa pra dentro do carro, elas jogavam duas pra fora. Minha sorte foi que uma viatura parou e me ajudou, mas essa me deixou meio preocupado”, confessou José Cássio.

José Cássio também afirmou que, em 12 anos de profissão, acumulou experiências suficientes para chegar à conclusão de que existe muita falsidade entre os próprios taxistas. Segundo ele, cada profissional se importa apenas consigo mesmo e quer sempre passar na frente do outro e tirar vantagem de todas as situações possíveis.A entrada de José Cássio no mercado se deu por meio da família, que já trabalhava com táxi. Tendo trabalhado anteriormente como segurança, ele queria testar uma profissão em que não fosse subordinado a um chefe e pudesse trabalhar por conta própria.

A falsidade entre taxistas é também o que confessa SolangeSilva, de 49 anos. Há um ano na profissão, que iniciou após pedir demissão de seu emprego como gerente comercial,ela revela que o ambiente profissional dos taxistas pode ser hostil. “Eu percebo muito, não aí onde estou, mas as histórias que eles [os outros taxistas] contam é que tem essa história de puxar o tapete, que eles chamam de traíra. Essa coisa de um querer o cliente do outro, o cliente ligar e falar que [o outro taxista] não está. São coisas pequenas, mas que ganham uma proporção grande no meio. Nesse ramo tem muita rivalidade”.

Outro ponto tocado por Solange é o preconceito. Nesses 12 meses de profissão, a motorista já percebeu que quem mais evita uma condutora do sexo feminino são as próprias mulheres. “As mulheres são mais preconceituosas que os homens. Tem mulheres que não gostam de mim, de eu ter levado uma vez e ela falar assim ‘não tomo mais taxi com você. Na verdade não fala pra mim, falar para outras pessoas, para os meus colegas”. Solange faz parte das 5.408 condutoras da cidade de São Paulo, um número ainda pequeno, já que representa apenas 7% do total de motoristas de táxi da cidade, mas que cresceu 162% nos últimos cinco anos.

Para se ter um táxi no Brasil, é necessário adquirir um alvará ou uma licença. Cada cidade possui próprias regras e preços específicos para a emissão dos documentos. De acordo com informações do site das prefeituras, no Rio de Janeiro e em Salvador a licença custa cerca de 60 mil reais. Já em São Paulo, o valor inicial varia entre 35 mil a 45 mil reais e, dependendo do ponto de estacionamento, pode chegar a 120 mil reais. Para muitos taxistas, o preço do alvará é completamente inacessível. Dessa forma, eles encontram outros jeitos para continuar trabalhando, porém com um lucro menor: dividem o alvará com outros profissionais, alugam o carro e a licença ou trabalham em frotas ou cooperativas.

Além disso, cada cidade possui seus próprios padrões para a cor do táxi e para as informações visuais que o veículo precisa conter. Os carros de Curitiba – a cidade que inaugurou o serviço de rádio-táxi em 1976 -, por exemplo, são laranja. Já os de São Paulo são brancos e os do Rio de Janeiro são amarelos. Não existe, entretanto, um padrão para os tamanhos dos táxis nas cidades brasileiras.

Dirigir um táxi em uma grande metrópole mundial como São Paulo também envolve sérios riscos, principalmente no que tange à violência. Independentemente do horário ou do local da cidade, os taxistas estão sempre sujeitos ações de meliantes. Eles comentam que, por mais que tentem evitar passageiros suspeitos e tomem cuidado o tempo todo, não conseguem garantir que não serão vítimas de alguma violência. O crime mais cometido contra os taxistas é o assalto. Segundo dados do Simtetaxis (Sindicato dos Motoristas Trabalhadores de Frota), nos primeiros dois meses de 2013, a média foi de 25 taxistas foram assaltados por dia na Região Metropolitana de São Paulo. Até novembro de 2012, a média diária de assaltos era a metade da registrada neste ano.

Creuto Soares, de 61 anos, é legalmente aposentado e trabalha como taxista há 36 anos. No começo de sua empreitada, o táxi era uma espécie de bico para complementar a renda que obtinha como motorista de caminhão. Há 23 anos, Creuto foi atacado dentro de um hospital: “Eu fui assaltado dentro do hospital da AACD no dia 21 de fevereiro de 1990, às 9h30 da manhã. Os caras tomaram o meu carro lá dentro, houve perseguição, foi o dia de cão da minha vida. Eu entrei e eles tomaram o carro. Aí houve a perseguição, eles bateram o carro, houve trocas de tiros, essas coisas todas, mas depois daqueles trâmites legais da polícia, foi terminar às 19h30 da noite esse assalto. Foi complicado.Foi um negócio terrível, mas eu descobri também, depois desse assalto, que eu era um homem muito forte, que eu consegui reaver minhas coisas e dentro de um ano eu estava de pé de novo”, narrou Creuto.

O aposentado de 61 anos também é dono de outra história extremamente inusitada. “Já peguei uma pessoa com as mãos para trás e eu não sabia o que era. Fui ver e o cara estava com uma galinha viva e a galinha cagou dentro do meu carro.” O taxista conta que o passageiro, pelo menos, o ajudou a limpar o carro. Creuto, inclusive, assume parte da culpa do incidente. “Ele estava na porta de uma granja, eu tinha que ter deduzido aquilo”.

A vida dos taxistas, no entanto, não é só feita de problemas. Em muitas ocasiões, os motoristas particulares de aluguel vivenciam momentos de bondade humana e alegria. Maurício Silveira, o mesmo profissional que dirigiu para uma mulher seguir o marido adúltero junto com o filho, também presenciou boas ações em sua profissão. “A última delas foi com um animalzinho. Fui atender a um chamado de telefone e era pra resgatar um cachorrinho de rua e o pessoal de uma loja fez uma vaquinha para pagar, inclusive, o táxi, remédio e adoção, e conseguiram, inclusive, arranjar uma adoção para o cachorro. Eu fiz a corrida, ela foi paga com essa vaquinha e eles conseguiram encontrar um lugar para o cachorro”, contou Maurício.

Ademais, é possível encontrar satisfação e prazer na rotina e no cotidiano de taxista. Cícero Freitas, de 44 anos, está na profissão há apenas um ano e afirma estar completamente feliz. Antes motorista de caminhão, ele recebeu uma proposta, resolveu aceitar e se adequou rapidamente ao mercado. “É o dinamismo, éessa parte de estar com pessoas de vários tipos de cultura e educação”, justificou.

Bastante sincero, Cícero reconhece que há certa falsidade dos passageiros para com o taxista: “Tem discriminação, mas o passageiro disfarça bem, entendeu? Ele tenta passar pra você que ele confia muito em você, mas na verdade não é isso, sempre fica naquela que você tá enganando ele.”. Apesar disso, ele acredita que nasceu para ser taxista. Demonstrando felicidade, ele pondera sobre sua profissão e destaca pontos positivos e negativos: “Eu nasci pra isso aí, gosto muito. Independentemente do perigo que tem eu me identifico com isso. Gosto muito. A melhor parte é essa de você estar livre, não ter uma obrigação de serviço, entendeu? Tipo, você faz o que você quer, faz seu horário, fica à vontade. A pior parte é a questão de multa, de trânsito. Você não tem vantagens, o governo não te ajuda. Você é o taxista, você é profissional, tem que ter sempre o serviço bem feito”.

A fala de Cícero sintetiza e define com precisão o que é ser taxista. Em uma profissão com alguns perigos e muitas inconstâncias, os motoristas convivem diariamente com momentos bons e ruins. Tendo que enfrentar não só seus próprios problemas como também os dos passageiros, acabam entrando, de alguma forma, na vida de seus clientes. Ali dentro do táxi, os profissionais são várias coisas ao mesmo tempo: psicólogo, conselheiro, amigo, ajudante e porventura, motorista. Tudo isso, na maioria dos casos, sem que o próprio cliente se dê conta. Ironicamente, apesar de a pessoa que é conduzida no táxi ser referida como passageiro, quem está de passagem em sua vida é o taxista.



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