Mãe militante estudante
Por Tatiane Ribeiro - Edição U-turn - dezembro de 2011
“Tem uma criança dentro de mim... mas como?”

Estudante, jovem, solteira e, acima de tudo, militante. Essa é a descrição que a maioria das pessoas que conheciam, naquele momento, Luka Franca, belenense que mora em São Paulo. Era setembro de 2008, e a aluna de jornalismo da PUC-SP, dirigente da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), estava se sentindo extremamente cansada. A militância toma todas as nossas forças, foi o que ela pensou.

Mas o cansaço não passava... não passava, e também a menstruação estava atrasada há um mês. Ela resolveu procurar um médico, porque não podia ser normal uma coisa dessas. Ao explicar o que estava acontecendo, que seu útero estava duro, que estava mais cansada que o normal, e com atraso no período menstrual, o médico não teve dúvida: aproveitou o ultrassom que tinha no consultório, e já fez o exame. “Você está é muito grávida, uns quatro meses”, foi a expressão que usou para contar à aspirante a jornalista o por quê de todos os “problemas” no corpo.

Qual foi a primeira coisa que ela pensou? “Puta que pariu, tem uma criança dentro de mim, mas como?”. Afinal, ela não namorava e não tinha relações sexuais há algum tempo. “Eu estava na vida louca da militância e fazia uns quatro meses que não transava, então quando ele me disse isso eu pensei que fosse de Jesus Cristo, sacanagem”, conta Luka.

E agora, o que fazer? Ligar para os amigos, é claro. “Primeiro liguei para a minha melhor amiga, que morava em Curitiba, depois liguei para o meu melhor amigo, de São Paulo”.

 


Conteúdo:

O histórico

Uma nova vida

Uma militante... e meia

A família e as múltiplas reações

A vida como um todo


 

 

O histórico

Para Luka, ao contrário de outras jovens estudantes grávidas, a situação era duplamente complicada. Um ano antes, recebera a mesma notícia, mas sua vida era outra. Por um lado, estava apaixonada e namorando. Por outro, tinha acabado de perder a mãe, estava no começo da faculdade e com poucas possibilidades. Resolveu fazer um aborto. Não contou para o então namorado, só depois da cirurgia.

“Foi doloroso para os dois”, conta. “Lembro que depois do procedimento, eu chorava muito, fiquei muito abalada... ele é o cara que eu queria que fosse o pai da Rosa, e eu sempre quis ser mãe”. Mas ela acha que fez a escolha certa naquele momento: “Não dava pé naquele momento, não ia ser bom nem pra mim, nem pra ele e nem para a criança”.

E por que foi diferente da segunda vez? “Quando eu descobri que estava grávida, ela estava lá com quatro meses, estava grandinha, pululante, uma fofa”.


Uma nova vida

Depois do susto, veio o momento de se reorganizar. Para uma pessoa que levava uma vida atribulada, entre os estudos, a militância  e a juventude, veio a necessidade de mudar a vida. “Fui fazer yoga, pré-natal, estudar parto, pensar o que faria com a faculdade”, explica Luka. Contou com a ajuda dos amigos, companheiros de militância, professores.

“Nunca pensei em parar de estudar. Levei a Rosa para a aula até ela fazer um aninho”, lembra. “Tinha um professor que dava aula com ela no colo, ela era muito querida na minha turma”. 

 

Uma militante... e meia

mãe e filhaLuka e Rosa - ato unificado 8 de marco

 

Era preciso pensar na vida como um todo. Além do lado estudantil e do lado mulher, que mudava completamente naquele momento. A virada na vida de Luka também passava no âmbito mais importante: a sua militância. Da mesma forma que a faculdade, ela nunca pensou em abandonar aquilo que acreditava.

“Eu tinha liberação das reuniões da executiva que eu dirigia, mas a oposição caia matando por causa disso”. Era a primeira vez que uma mãe era dirigente da entidade, e não havia nenhuma ferramenta que auxiliasse para que ela pudesse continuar militando. “Foi a primeira vez que a minha entidade teve que montar um esquema para receber criança em encontro, assegurar minha participação política nos espaços”.

Para ela, que já militava também no movimento feminista, foi um momento de colocar a prova tudo aquilo que ela já defendia. “Porque é muito diferente você ser militante e feminista jovem e sem filhos e ter filhos”.

Ao mesmo tempo em que encontrou muita resistência e machismo, também diz ter vivido momentos de muita solidariedade de muitos companheiros. Hoje, para participar das atividades de sua organização política (Luka é filiada ao Psol e dirigente do Campo Debate Socialista), ela pode contar com uma pessoal de cada setor do seu campo para cuidar da sua filha enquanto ela cumpre tarefas. Em congressos, encontros e outros eventos, ela leva a filha, que já sabe cantar diferentes palavras de ordem (feministas e socialistas).

E, mesmo depois de quase três anos, ela ainda precisa se preocupar com essas questões. A verdade é que são as mães militantes que pensam nesses “detalhes”: creches, estruturas para crianças, como incluir essas mães nos espaços políticos. Os homens, tanto quanto as mulheres que não tem filhos, mal lembram dessas questões que são cruciais para aquelas que sabem muito bem o que é deixar de sair de casa por conta dos filhos.

 

A família e as múltiplas reações

Luka conviveu com as mais distintas reações da sua família. Após contar para o seu ex-namorado, que, para ela, até hoje em “over reaction quando fala da Rosa”, ela teve que aprender a conviver com a família.

 

carinhoLuka e Rosa pequenina

 

Sua irmã foi a mais fácil. Deu seu total apoio, ajudou Luka em tudo aquilo que ela precisava. Estiveram juntas em todo  o processo, e foi ela quem mais ajudou Luka a conseguir passar por toda a parte mais difícil.

As tias paternas, que moram em Belém (PA), queriam todas embarcar para São Paulo, para ajudar a sobrinha querida. Mas Luka não quis atrapalhar a vida de todo mundo, optou pelo caminho da auto-organização, de se centrar para conseguir dar conta de tudo.

O pai foi o mais difícil. Fingiu que nada tinha acontecido de diferente até não dar mais para disfarçar: no momento do trabalho de parto. Aí, teve que se render à sorridente Rosa.

 

A vida como um todo

bandeira psolRosa com o bandeirão do psol

 

Hoje, Luka tenta dividir seu dia entre os momentos em que a filha vai para a escola (meio período) e quando ela está em casa. “Se a Rosa dorme, fica mais fácil para fazer todas as coisas, mas se ela fica acordada, fico meio presa”. Assim, ela precisa se organizar muito bem para cumprir as tarefas do lado militante, o trabalho e ainda cuidar de Rosa.

Se ela se arrepende? “Às vezes, eu fico com inveja do que as minhas amigas tão fazendo sem ter filhos, mas aí eu olho pra ela [Rosa] com aquela cara de safada e vejo que faço tudo que fazia antes, mas em doses menores e com muito mais diversão.

Claro que Luka sabe que sua vida não é mais a mesma. Foi uma virada e tanto, mas ela tenta não abandonar nada da vida que a Luka não-mãe tinha. “É um malabarismo, eu fico bem cansada. Eu saio super pouco com o povo, fico mais com ela e faço coisas de criança...”, brinca.



Nesta Edição
Anteriores
Home | Expediente | Home Atual