Devidamente mal-informado, desci com as hordas de alunos que trotavam para o grande pátio coberto do térreo, a feição de algumas meninas se desfigurando em ondas numa carranca de desespero enquanto elas se desmanchavam pelas escadas. Adentrando o amplo recinto, jovens uniformizados, com a camiseta branca de faixa azul-marinho cruzando o peito sob o logotipo e calça jeans, iam se aglomerando em grupos, caçando amigos, ligando para pais, pedindo carona. Encontrei uma colega que tinha sido liberada de uma aula. Estava num quieto processo de esfrangalhamento, tensa, olhando pensativa pra frente enquanto falava, porosa à tensão circundante. A nós se somou mais um amigo que também não sabia o que estava acontecendo direito. Mas era grave.
Parados perto da escada, nos cruza um grupo de garotas escoradas umas nas outras, a do centro chorando. “Mataram o pai dela”, comentou meu amigo; ou que o pai de uma menina trabalhava com segurança, de que importa? O efeito era o mesmo: era grave. Olhávamos para os muros que cercavam o prédio de dois andares como se a qualquer momento alguém pudesse pulá-los.
Pra que que é o P mesmo? Partido... Primeiro Comando da Capital. Era 12 de maio de 2006, dois dias antes do dia-das-mães. E era grave.
Atravessamos a rua do colégio e esperamos, minha amiga e eu, minha mãe nos pegar de carro. No engarrafamento de volta pra casa, vulneráveis, nos vimos cercados pelo rádio, que vomitava assustadores dados sobre os ataques. O estado de São Paulo se convulsionava na maior crise de segurança pública de sua história, que deixaria, no período dos dias 12 a 20 de maio, o saldo no mínimo 493 mortos. Era o que a imprensa classificou na época de “ataques do PCC”. Da janela do veículo, pude ver meu professor de literatura caminhando calmamente para casa, segurando um saco de caquis. Minha vida seguiria, no dia seguinte, também o seu cursinho.
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Cinco anos depois, vejo-me cercado de batuques afro no Largo do Paiçandú, centro de São Paulo, segurando meu gravador na frente de uma mulher de meia idade que, com uma faixa de preto, vermelho preto e amarelo, cores do pan-africanismo, cobrindo os curtos cabelos crespos, me encara nos olhos e me dá as velhas novas: “quem deu o toque de recolher que parou o Estado de São Paulo não foi o crime organizado, foi a polícia”. Era o finalzinho da Marcha da Consciência Negra, e eu conseguira finalmente ficar frente a frente de Débora Maria da Silva. Disputada, ela me orienta quando somos interrompidos pela décima vez ensaiando o começo da entrevista: “pode mandar brasa, senão você não faz”.
Débora é daquelas entrevistadas abafadamente concorridas, porém quase que sempre disponíveis. Durante a marcha, fiquei de longe observando enquanto ela subia e descia do carro de som que puxava o movimento, fazia falas, vendia livros, concedia entrevistas para outros estudantes de comunicação social, e para uma dupla de espanhóis cabeludos, segundo ela “tietes” do movimento.
Marcha da Consciência Negra na Avenida Paulista, 2011
No seu discurso fluido e alto lê-se a urgência de ser ouvida. Em qualquer oportunidade, começa a despejar dados sobre maio de 2006 e as atividades do seu grupo, elevando a voz quando necessário. Ela é uma espécie de porta-voz do Movimento Mães de Maio, grupo que tem falado alto na luta pela revisão histórica e legal da onda de violência que parou o Estado em 2006. O Movimento frisa que os “ataques do PCC” foram apenas um pedaço da crise. O que não ficou claro debaixo das camadas megafônicas de histeria em parte alimentada pela mídia foi que dos 493 mortos no período, apenas 42 eram policiais. Uma parte considerável da carnificina restante advém de ações da própria polícia, no que foi chamado pelos veículos de comunicação da época de “onda de resposta”, e pelas Mães e outros movimentos sociais de “crimes de maio”. Um estudo feito em parceria da Universidade de Harvard e da ONG Justiça Global e publicado em maio de 2011 aponta que destas mortes, ao menos 261 fazem parte desses crimes, sendo que a maioria teria sido obra das polícias. Destas, ao menos 121 têm indícios consistentes de execução sumária, como tiros na nuca e à queima-roupa, nas mãos (indicando que as vítimas tentaram se proteger), e de cima pra baixo.
Hoje, as mães reivindicam o fim das categorias de “resistência seguida de morte” e “autos de resistência”, sob as quais a polícia encaixa grande parte das mortes que comete, num modus operandi repetido à exaustão em maio de 2006. Após os confrontos letais, os policiais geralmente destruíam a cena do crime, removendo os corpos das vítimas e levando-os para hospitais, mesmo quando esses tivessem os cinais vitais já claramente cortados, simulando uma tentativa de salvá-los e dificultando o papel da perícia. Exasperadas com a justiça paulista, as mães pedem também a federalização dos crimes de maio. “Com a morte da juíza Acioli, eles [a Polícia Federal] arrumaram todos os mecanismos pra descobrirem quem são os algozes dela. E conseguiram”.
Os distúrbios começaram a partir da rebelião da Penitenciária Dr. Paulo Luciano de Campos - Avaré I. O líder mais influente do PCC Marcos Williams Herbas Camargo, o Marcola, acabara de ser transferido para o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic). Outros 765 líderes da organização tinham sido tranferidos para a penitenciária de segurança máxima Presidente Venceslau II, que havia sido recuperada e reaberta pouco tempo antes da destruição de 2005 (por sinal, causada por uma rebelião comandada pelo PCC). Em pouco tempo teria a adesão de mais 73 unidades prisionais, atingindo 64,9% das penitenciárias e 63,3% dos centros de detenção provisória do estado. O resultado foram ao menos 13 mortos e cerca de 439 reféns.
Por esse motivo, uma leitura muito feita pelos jornais época foi a de que a transferência dos líderes para presídios de segurança-máxima seria a causa principal da rebelião, o que é endossado pelo Secretário de Administração Penitenciária da época, Nagashi Furukawa. O fato, no entanto, é que a mudança dos presos havia sido planejada pelas autoridades do Estado em sigilo, tornando improvável que uma reação de tamanha magnitude e organização tenha acontecido espontaneamente, a partir das primeiras transferências. O estudo “São Paulo sob Achaque”, feito pela ONG Justiça Global e parceria com a Universidade de Harvard indica que as rebeliões já haviam sido marcadas e planejadas anteriormente para começar naquele Dia das Mães.
Os motivos iam, portanto, além daquela transferência. Um dos objetivos principais era influenciar a opinião pública contra o ex-governador Geraldo Alckmin, candidato à presidência e responsável pela criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que endurecia o cumprimento de pena com o extremo confinamento e restrição de algumas liberdades por até um ano. O PCC receava que, com uma vitória, medidas como essa fossem ampliadas.
Mas talvez o que mais tenha conspirado para a rebelião foi o clima de insatisfação gerado pelas condições em que os presos se encontravam. Os centros de detenção provisória estavam cerca de 51,07% acima de sua capacidade, os de condenados 59,1%. Ainda mais significativo era o sistemático processo de achaque sobre os presos líderes do PCC e suas famílias. Emblemático foi o seqüestro, em maio de 2005, do enteado de Marcola, Rodrigo Olivatto de Morais por policiais civis. O investigador da Polícia Civil Augusto Peña só o libertou com o pagamento de R$ 300.000, e sob a promessa de Marcola de que não ia ficar barato.
Dos 43 assassinatos de policiais, 40 aconteceram até a noite do domingo de Dia das Mães, dia 14, a maioria de baixa patente, como escrivões. Até então, os policiais haviam matado apenas 14 pessoas em alegados tiroteios. Depois desse ponto, no entanto, a coisa começaria a se inverter com a “onda de reação”.
Na terça-feira do dia 16, o Coronel Eliseu Eclair Teixeira Borges informou que 140 viaturas das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, a notória Rota, junto com o batalhão de choque haviam sido colocadas nas ruas. Da segunda, dia 14, até a quarta-feira, os policiais da capital, região metropolitana e Baixada Santista mataram 60 pessoas em supostos tiroteios, do qual não saiu nenhum policial morto. A esses se somaram vítimas de grupos de extermínio mascarados; cerca de 84 pessoas no espaço de uma semana.
Dois meses após os atentados, o comandante comentaria que "A polícia não matou inocentes nos confrontos com o PCC", argumentando que a explosão do número de mortos refletia o fato de que os criminosos teriam se exposto mais com os ataques.
Entre os mortos estava o gari Edson Rogério dos Santos, então com 29 anos. Na manhã do dia 16 de maio de 2006, um parente de Débora ligou para ela pedindo que avisasse “às pessoas de bem, não para o lixo” e à sua família que não saíssem na rua, porque quem estivesse fora de casa naqueles dias era inimigo da polícia. “Ele nunca imaginava que me avisava às 8h30 da manhã e à noite, às 23h30, matavam meu filho”.
Ela ainda chegou a vê-lo cerca de uma hora e meia antes do assassinato. No livro Do luto à Luta, ela conta que ele voltava à casa de Débora para pegar o antibiótico que tomava por causa de uma operação dentária e que esquecera no dia anterior, na festa de dia-das-mães e aniversário da mãe. Ela ainda o teria alertado: “o quê você está fazendo na rua? Não está vendo como está essa situação?”.
Foi por um programa de rádio que Débora recebeu o recado no dia seguinte. O locutor lia uma lista de 16 pessoas mortas na Baixada Santista. Edson era o terceiro.
Débora passou dias sem comer e sem dormir, se perguntando o que tinha acontecido. Depois de 40 dias, foi internada no hospital. Até que seu filho lhe apareceu. “Às vezes eu fico pensando que podia ser eu muito dopada de remédio, mas não foi. Ele me levantou da cama e falou: “mãe, vai à luta”, não deixa que esses crimes caiam na impunidade. E eu fui”.
No dia seguinte recebeu alta do hospital e saiu em busca de outras mães que, como ela, tinham perdido seus filhos em 2006. Num primeiro momento era apenas um trio, ela, Edinalva Santos e Vera de Freitas, todas da Baixada Santista. Sem encontrar respaldo em delegacias, com o Ministério Público ou vereadores, subiram a serra e foram procurar apoio em São Paulo. “As autoridades falavam que quem tinha matado nossos filhos foi o PCC”. Na capital do estado, foram à Ouvidoria Pública e finalmente ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), onde receberam documentos com uma lista dos mortos em Maio de 2006. “Foi então que nos deparamos com uma tamanha lista de mortos daqueles dias... Foi então que começamos a acordar daquele pesadelo”.
Logo as três se tornaram quatro, e as quatro se tornaram mais. “Uma foi falando de outras e de outras, daí montamos um movimento”. Quando tinham 17 mães, começaram a organizar atividades. No aniversário de um ano dos crimes, celebraram uma missa, e uma passeata, oficializada com os órgãos municipais de Santos, mas com uma ressalva feita ao comandante do município: não queriam carros da polícia.
“Foi a mesma coisa que falar pra ele assim: “manda o batalhão”. Os policiais compareceram à missa cantando pneus, encapuçados, com os corpos para fora dos veículos. “Foi um absurdo. O que eles nunca imaginaram é que a gente estava com uma repórter da Anistia Internacional filmando tudo. O que é que aqueles policiais queriam com mães todas desequilibradas com a perda de seus filhos?”. Depois do incidente, o comandante teria dito que as mães nunca mais seriam incomodadas em seus atos, que só precisavam avisar antes. “Daí eu falei pra ele que a gente não tinha que avisar nada, porque a gente tem o direito de liberdade de expressão, nós vivemos num estado democrático que dizem que é de direito”. Hoje, em Santos, a polícia militar acompanha os atos das Mães de Maio em Santos com uma boa distância. “É uma coisa impressionante, disse Débora”.
Algo um pouco diferente do que aconteceu na Marcha da Consciência negra em 2011, de cabo a rabo acompanhada por policiais em motos. Era uma posição um tanto desconfortável. Marcando os limites da marcha que reunia grupos militantes pela causa negra, que se desenrolou numa grande fila a partir da Avenida Paulista, os policiais militares eram o principal alvo das falas dos líderes que subiam no carro de som.
Esse ano, a Marcha teve como tema o genocídio da juventude negra. O mote foi puxado pelo Movimento Mães de Maio. Na introdução do livro “do Luto à Luta”, produzido pela organização, destaca-se o dado de que um de cada três jovens executados no Brasil tem a cor negra. É um contraste com os temas escolhidos nos anos imediatamente anteriores que, menos severos, valorizavam a identidade negra - em 2010, foi comemorado o Centenário da Revolta da Chibata e a luta de João Cândido, o Almirante Negro; em 2009 a marcha serviu como homenagem a Oliveira Silveira, o poeta da consciência negra.
A já tradicional marcha do dia 20 de novembro começou esse ano de uma forma um tanto conturbada. Desavisados, militantes pelos direitos dos animais tinham marcado o protesto contra maus-tratos aos bichinhos no mesmo local e em horário parecido da marcha da Consciência Negra. Um amigo, que participa do movimento negro, relatou uma certa tensão no começo do ato com as “madames”, segurando cartazes pedindo a aprovação da intitulada Lei Lobo, por punições mais sérias contra agressores de animais. O símbolo da causa, Lobo, é um cão da raça rottweiler morto em Piracicaba depois de ser arrastado pelo próprio dono numa picape por cerca de um quilômetro.
Reunidos embaixo do vão do Masp, os manifestantes pró-animais foram surpreendidas pela Marcha da Consciência Negra, e tentaram contornar a saturação da Avenida Paulista propondo que os dois grupos saíssem juntos, já que eles tinham tudo a ver. A cruel morte de Lobo trazia mais um setor dos movimentos sociais para a discussão racial no Brasil, afinal “esse negócio de raça não importa mesmo”, teriam dito algumas lideranças dos manifestantes numa lição de sensibilidade.
Por calcularem que a causa negra no país tem algumas particularidades que escapam à situação do vira-lata, as lideranças negras resistiram elegantemente à proposta de fundirem as duas procissões. O imbróglio segurou o começo da caminhada até que o impasse foi resolvido com uma solução que ocorreu num estalo a uma das lideranças do Movimento Negro: “ou vocês vão pra outra pista, ou eu faço vocês irem”.
As Mães tiveram um papel especial na marcha de 2011. Foram elas que emprestaram o tom de urgência ao evento. É recorrente no discurso de Débora o uso do termo “faxina” quando se refere aos Crimes de Maio. “Os negros são as vítimas. A gente tem que lutar muito porque nos crimes de Maio 6% tinham passagem pela polícia, então foi uma faxina da pobreza, que eles pensavam que as famílias não iam à luta”. A crítica ao estado como um inimigo também é recorrente no discurso de Débora. Falando do Movimento Negro e da necessidade de união dos grupos que o compõem, ela desenha com naturalidade uma oposição entre estado e movimentos sociais; “o estado é unido, e o movimento acaba se fatiando...”.
Mas a mãe se mostra disposta a disputar o estado quando necessário. No segundo ano de organização do Movimento, quando ficou sabendo que o filme Salve Geral tinha sido financiado pelo governo estadual, Débora se colocou em ação. “Com o nosso dinheiro não, nós vamos pra cima!”. A obra de Sérgio Rezende, lançada em 2009 retrata os acontecimentos de maio a partir da história de uma mãe de classe média decadente. Interpretada por Andrea Beltrão, a mãe, lutando para libertar seu filho de 18 anos da cadeia, se envolve com o PCC para conseguir algum dinheiro. A situação se complexifica com a onda de rebeliões em massa desencadeadas pela transferência dos líderes do grupo criminoso para um presídio de segurança-máxima.
“Eles cantavam de galo que a bilheteria ia ser expandida, que eles iam ganhar na bilheteria, que ele ia ser cotado pro Oscar”, conta Débora, indignada. Para as mães de maio, o trabalho conta uma meia-verdade ao não abordar as mortes causadas pela repressão policial. Na época, Vera Rezende, outra das líderes disse à imprensa: "Tudo bem que é uma ficção. Mas, no final, podia mostrar a quantidade de mortos e a impunidade que acontece até agora". Junto com integrantes de outros movimentos sociais como a ONG Tortura Nunca Mais, as mães fizeram uma breve passeata na Avenida Paulista e se postaram frente ao Cine Unibanco e depois ao Shopping Center 3, para onde a pré-estréia do filme havia sido transferida, com fotos e velas lembrando os assassinatos e a proposta de que se filmasse um Salve Geral 2, que abordasse o drama das famílias das vítimas.
Hoje, Débora comemora o fracasso do filme: “Ele não teve bilheteria nenhuma, então essa foi mais uma vitoria”.
Outra maior veio em Outubro. A 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou que o estado errou na reação aos ataques no caso de seu filho. Com isso, Débora vai receber uma indenização de R$ 165,5 mil e pensão vitalícia de um terço do salário mínimo pela morte de Edson. É a primeira vitória jurídica de uma das mães contra o estado.
Do alto do carro de som, falando ao movimento negro, a militante diminui a vitória numa frase gasta, mas nem por isso menos honesta: “dinheiro nenhum vai trazer meu filho de volta”. Ela fala à massa lá embaixo, encabeçada por outras mães. Uma senhora carrega numa das mãos um dos chamados “pirulitos” com a foto de uma das vítimas na ponta. A outra segura a mão de um garoto com lá seus sete anos (um neto, um órfão?). Uma mulher de meia-idade, de vestido, filma a cena toda, caminhando de lado para não perder o melhor ângulo e começa a chorar. Não é a única. “É mais fácil investir em polícia, do que em políticas sociais. Precisamos lutar, não se acovardar. Eu olho isso aqui e digo: isso aqui era pra estar entupido!”.
Da passeata, Débora se dirige para um restaurante na República. Ela precisa comer rápido, em algumas horas acontecerá um lançamento do livro “Do Luto à Luta” no Acampa Sampa. Conforme o movimento amadurece, seus laços com outras organizações também se ampliam. Com a morte de seu filho há cinco anos, Débora se transformou de dona-de-casa a síntese; militante e símbolo da luta contra a troglodice policial e a impunidade. A miríade de coletivos pela causa negra que se juntaram na causa das Mães é um exemplo disso.
Isso além dos vários movimentos de mães e familiares vítimas de extermínio (quase) tão espalhados no país quanto a prática. “O Espírito Santo foi uma coisa que nós ficamos muito horrorizadas, que, além deles matarem, a impunidade é tão grande e descarada que, além de matarem os jovens, eles ainda queimam. A gente só vê as mães com as fotos dos filhos queimados. É uma das coisas mais bizarras que podem acontecer com o ser humano”. O Movimento também se solidariza com outros similares presentes na Bahia, Minas Gerais... Além das Mães do Cárcere, com quem planejam lançar em 2012 um livro em conjunto.
A lista de parceiras tende a se ampliar, mais filiais perigam abrir pelo estado, expansão que ninguém comemora. Hoje, mães de outros crimes da polícia começam a se integrar ao movimento. Em abril de 2010, 23 jovens foram assassinados em decorrência do que já se chama de crimes de abril, causa com a qual as Mães de Maio também se engajaram. “A gente tem mãe do ano inteiro, porque o Estado mata todo dia, toda hora. A gente está conversando aqui, e o Estado tá matando em algum lugar na periferia do país.”. Até o momento, nenhuma autoridade da polícia admitiu o papel das corporações nos crimes de maio. Com o apoio velado do governo do estado, até agora, nenhuma medida foi tomada para combater o abuso endêmico cometido pelas corporações.
Descendo a Consolação durante o ato, paro no canteiro central para atravessar e comprar um copo d’água. Atentos à explosão de cores, música, bandeiras e palavras de ordem, os clientes do Sujinho param para olhar, alguns interrompem suas refeições familiares de domingão para discutir sobre o que se trata o fuzuê. Outros chegam até mesmo a ficar em pé, curiosos. Ao meu lado, um homem pergunta para um amigo: “o que essas tias querem?”. Atravesso a rua e me embrenho alguns quarteirões.
Lá o domingo continua tranqüilo. O plácido trânsito da hora da cesta não se incomoda com a Consolaçao tomada. Na mesa, o papo orbita os temas de sempre, escola, trabalho, firma; e mal dá pra ouvir, da rua paralela à fala de Débora, seu grito indignado. Há cinco anos São Paulo segue seu cursinho.
Débora tem razão de gritar.
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