Un día me cambio
Por Victor Caputo - Edição U-turn - dezembro de 2011
Quarto Negro (Créditos: Ana Pupulin)

Depois de uma abertura com um teclado ecoado e alguns barulhos que soam como que tocados de trás para frente, a voz anuncia, “um dia eu mudo, eu juro, eu juro”. É assim que começa Desconocidos, o álbum de estreia da banda Quarto Negro. Formada por três paulistanos, as promessas de mudança na letra parecem longe das juras vazias feitas por muitos em momentos de puro saco cheio. Cansado do trabalho? Vai dizer que nunca se consolou dizendo, “ah, se eu pudesse largar tudo isso aqui. Um dia ainda o faço”. Enquanto alguns ainda se prometem mudar isso ou aquilo, os integrantes da banda juraram e cumpriram. Mudaram.

Cansados de São Paulo e precisando de um lugar diferente para a gravação do álbum que ainda era apenas uma grande ideia, Eduardo Praça, vocalista e guitarrista da banda, chegou em casa depois de uma noite de bebedeira e arriscou. No primeiro resultado pela buscaEstúdio Barcelona, no Google, ele tentou a sorte. Era um estúdio que antes serviu como um queimador de café, daí seu nome El Tostador. Logo mandou algumas demos da banda que tinha no computador e dali para frente tudo correu de forma muito rápida.

Pouco mais de um mês depois, Praça estava em Barcelona com os outros dois integrantes do Quarto Negro, Thiago Klein, responsável pelos teclados, e Fabio Brazil, baixista do grupo. Os acertos não demoraram e finalmente a banda tinha um estúdio para a gravação do debut e um selo responsável pela distribuição do material na Europa e nos Estados Unidos, a Daruma Records, que tem uma parceria com o estúdio.

Foi durante o verão de 2010 e o inverno de 2011 de Barcelona que o álbum foi gravado. Se as primeiras palavras do projeto já finalizado mostram um clima de tentativa de mudança, como um todo, Desconocidos é reflexo apenas da coragem de largar toda uma vida para se dedicar a algo de corpo e alma.

 


Conteúdo:

Um dia eu mudo, eu juro

Não é comum, mas a gente continua

E a agonia de ficar sempre assim?

Mande notícias de lá, um dia



 

Um dia eu mudo, eu juro

O Quarto Negro não é a primeira incursão musical de Eduardo Praça. Aos 16 anos, ele já era o responsável pela guitarra feroz da banda de punk rock Lodovic. Agora aos 25, o Quarto Negro mostra outro lado dele. Antes responsável apenas pela guitarra, no Quarto Praça passou a cuidar também das letras. O instrumental fica por conta dele e de Thiago Klein. A nova banda pode não soar como o punk rock de antes, mas Eduardo Praça diz que ainda carrega a essência do punk do Ludovic.

E certamente foi este lado punk o responsável por grande parte da decisão de largar um emprego estável para se dedicar exclusivamente à música. Mas Praça não arriscou sozinho. A decisão de fazer a banda funcionar a qualquer custo foi em conjunto e todos largaram uma vida que tinham para que o Quarto Negro pudesse seguir em frente. Fosse para onde fosse.

De uma maneira ou outra, Barcelona representa toda a mudança. A fuga de uma vida. A banda sentia a necessidade de perder o contato com toda a vida cotidiana. Haviam considerado outras cidades brasileiras ou até alguma gringa, como Nova Iorque. Mas a vontade de fugir do óbvio e de se afastar o máximo possível de qualquer ligação cultural e emocional com o que tinham levou os três amigos até o El Tostador.

 

Não é comum, mas a gente continua

O Quarto Negro não é, de maneira nenhuma, o primeiro grupo de amigos a deixar uma vida de lado para se dedicar a uma atividade prazerosa e tentar sobreviver com aquilo. Para isso, os obstáculos são muitos. “Você tem que peitar a sua família, tem que peitar a sociedade. Tudo porque você é músico e não recebe o merecido pra isso”, diz Eduardo Praça.

Sobreviver de música pode parecer um mundo glamuroso para alguns. A realidade, no entanto, passa longe disse. Eduardo Praça cita o Superguidis como um exemplo de banda brasileira com um nome forte no cenário independente que teve que acabar. Os motivos são diversos, mas sempre a dedicação para outras atividades permeia os motivos do fim.
 

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Se depender dos membros do Quarto Negro, a banda será mesmo a fonte de renda deles. “Queremos que a banda seja sustentável”, afirmar Thiago Klein, tecladista da banda. Para Fabio Brazil, o baixista do Quarto Negro, ter apostado alto desde o começo mostra a vontade de que o projeto dê certo. Para eles, isso é totalmente possível. Mas, assim como qualquer atividade bem feita, o êxito demanda um certo esforço. Criar novas músicas, fazer shows e tentar vender álbuns são atividades que podem fazer com que uma banda sobreviva e ganhe dinheiro, segundo os membros da banda. “A gente também quer ter fãs, tocar em lugares cheios. Queremos que a banda tenha êxito. Coisas que qualquer músico sem qualquer tipo de demagogia idiota quer”, diz o vocalista e guitarrista Eduardo Praça.

Ele ainda acredita que muitas das bandas nacionais nascem sem muita preocupação com a parte mais comercial da banda, o que acaba por prejudicar. “Conheço muitos músicas talentosos que deveriam se preocupar um pouco mais com a parte comercial. É como se fosse um prédio, você tem que colocar as diversas bases para que ele fique em pé”, afirma Praça.

 

E a agonia de ficar sempre assim?

Talvez um pouco em contra mão do que se faz cada vez mais natural, com MP3 e músicas digitais, Desconocidos vai chegar também em alguns formatos físicos. Mas o processo não é tão simples assim. Enquanto que um milhar de CDs estão sendo feitos no Brasil, a banda preferiu por não prensar os vinis por aqui. E os motivos passam longe de qualquer mesquinhez. No Brasil, a única opção para prensagens de vinis é a Deck Discos. Um LP de A Tábua de Esmeralda, disco clássico de Jorge Bem Jor, por exemplo, sai por carca de 85 reais. A versão dupla do debut do Quarto Negro, sairá pelo equivalente a 40 reais. “Eu não acho que eu tenha que comprar o disco da banda de um amigo meu por 80 reais. Se a gente tivesse várias opções para prensar o vinil, certamente faríamos aqui, como estamos fazendo com os CDs”, explica Praça.

Sem deixar o lado digital de lado, com as faixas disponibilizadas para venda na iTunes, a loja virtual da Apple, a banda também decidiu por uma estratégia bem simples para fazer uma base sólida de fãs. O álbum foi colocado para streaming na página da banda no Facebook meses antes de que qualquer um precisasse desembolsar algum dinheiro para ouvir as músicas. Para eles, a realização fez toda a diferença e o crescimento da página reflete a aceitação que a banda tem tido.

Se por um lado muitos usuários da rede tiveram acesso ao álbum, a taxa de rejeição do álbum parece grande na página no Facebook, fato comum um streamings e conteúdos disponibilizados de graça. Enquanto que a primeira faixa conta com mais de duas mil execuções completas, a segunda já fica com apenas a metade do valor e a última tem pouco mais de 500 execuções.

A digitalização das músicas é fato importante no mercado fonográfico hoje e a banda não deixa de ter um posicionamento nessa briga dos downloads. Thiago Klein confessa baixar muitas músicas em casa. Eduardo Praça faz parte do mesmo grupo e acredita que o contato com o conteúdo virtual pode fazer com que as pessoas tenham um consumo maior de produtos culturais. “Eu mesmo, quando vou para os Estados Unidos, por exemplo, volto com um monte de vinis”, diz Eduardo.


 

Mande notícias de lá

O caminho percorrido até agora pelo Quarto Negro não foi curto. Desde o final do Ludovic, em julho de 2008, a banda tinha seu embrião em Eduardo Praça. Logo que a antiga banda acabou, ele passou uma temporada morando em Nova Iorque. Lá diz que comprou o violão mais barato que encontrou e passou a compor o que seriam as primeiras músicas do Quarto Negro.

Entre as motivações para se ter uma banda estavam os itens que passam pela cabeça de muitos adolescentes: estar entre amigos, viajar e se divertir. Foi em agosto de 2009 que a banda nasceu oficialmente. Com um primeiro show em 20 de novembro do mesmo ano, eles ainda se consideram uma banda novata.

E se houver a necessidade de apontar dedos e culpar alguém pelo nascimento da banda, o amigo e cineasta Daniel Barosa pode ser um deles. Morando em Buenos Aires, ele estava produzindo um curta-metragem e pediu para que a banda fizesse a trilha para ele. Foi o empurrãozinho que faltava. “Zoroastro” foi a primeira faixa oficial e serviu como fundo musical para “Hemea”, que foi também o primeiro videoclip deles.

Com o Desconocidos lançado, a capital da Argentina mais uma vez como uma cidade importante para a banda. O ano de lançamento do primeiro LP da banda, 2011, será fechado com uma série de shows pela cidade. Eduardo Praça ressalta a importância das apresentações. “É bom para a banda pegar o ritmo. É como se fosse o Paulistão, para aquecer pro Brasileirão depois”, brinca ele.

Na primeira faixa do álbum a promessa é feita. E promessa feita, é promessa cumprida. Os três integrantes mudaram. Largaram tudo que podiam para se dedicar a algo que gostam. Mas a importância da música não para por aí para eles. “Eu não sei trabalhar como as pessoas trabalham. Na firma. No serviço”, brinca Thiago Klein. Ele ainda complementa, “Eu não sou uma pessoa aberta, o meu jeito de me expressar é a música”. Que assim seja.

 

Fotos: Ana Pupulin



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