Tá na manga, tá na cartola
A arte de fazer desaparecer
Por Carolina Linhares - Edição Sumiço - dezembro de 2013
Imagem: Renata Hirota

Com a mão direita, tirou o anel da mão esquerda e o segurou enquanto dizia “se eu pegar um anel, fizer isso aqui e jogar…”. Lançou a mão direita para cima e jogou.

Ao abrir os dedos, não havia nada. O olhar de súbito foi para a mão esquerda, que brincava com o anel entre os dedos.


Parque Ibirapuera

"Oi, meu nome é William. Posso fazer uma mágica pra você?"

É assim que o aspirante a mágico, William Oliveira, de 23 anos, aborda seu público. William não veste fraque e cartola e o público não está sentado acomodado na plateia. São os muitos paulistanos que lotam o Parque em uma tarde ensolarada de sábado. De blusa branca, camisa azul de mangas curtas e jeans, o mágico está pronto para fazer o close up - números simples e rápidos feitos para uma pessoa ou um pequeno grupo. A mágica acontece bem ali, na sua cara.

Nem sempre, porém, o close up é capaz de envolver o espectador. Apesar de próximo, o close up é ágil e não deixa tempo suficiente para que o público “entre” na mágica, em um sentido amplo. Por que isso é importante? “Quando o espectador está com você é que a mágica acontece mesmo”.

“Em um filme, você se emociona porque você vai entrando cada vez mais. Tem aquele tempo de uma hora ou duas horas. A mágica não, estourando cinco minutos, já acabou. Então é muito difícil você trazer a pessoa para aquele momento em cinco minutos”.

Três amigas adolescentes no auge dos seus mais ou menos 15 anos passeiam pelo parque e, de repente, “Oi, meu nome é William, posso fazer uma mágica pra vocês?”.

Momentos de desconfiança. Entreolhares.

“Pode”.

“Escolhe uma carta”.

Existem dois tipos de mágica, segundo o jovem William: a mágica para quem vê e a mágica para o mágico. A mágica para quem vê é a mágica mesmo. Agora, a mágica para o mágico é ver o sorriso no rosto das pessoas, o olhar de espanto. “Nossa! como você fez isso!”. É uma grande satisfação para ele.

Nas mãos de uma delas, William colocou duas cartas. Uma em cada mão, viradas para baixo. Pediu à menina que escolheu a carta que virasse uma das duas que a amiga segurava. Virou a da mão esquerda e era a carta escolhida.

Imediatamente: “Mas a outra carta era igual?”. A amiga vira a da mão direita. Era diferente. 

“Nossa”.

De todas as artes, a mágica é a única que depende de uma outra pessoa, explica William. “Se eu fizer um filme, ele vai ficar lá. Se eu fizer um quadro, ele também vai ficar lá. Uma música, um poema…. Mas a mágica é a única arte que depende do outro, ela só vai acontecer naquele momento. Depois, só fica gravado na mente”.

Se depender da sua vontade, William será o responsável por muitas boas lembranças. Formado em sistemas da informação desde 2011, a mágica é hoje um hobby, mas a ideia é que vire profissão

Brasil, século XXI. É possível viver como mágico?

“A arte no Brasil não é muito valorizada. Lá fora, ao pensar em mágicos, as pessoas já imaginam cassinos, teatros, como o David Coperfield, né? Mas conheço vários mágicos que vivem só de mágica. Tem como viver sim”.

Muita gente quer aprender mágicas para matar a curiosidade, poucos são os que se dedicam a trilhar o caminho árduo da arte mágica. William, além de querer viver da arte, quer viver por ela.

“Eu sou muito exigente e perfeccionista comigo mesmo. Então eu não quero fazer uma coisa meia-boca. Eu quero ser um mágico completo”.

Para isso, William se dedica a aulas de teatro para melhorar sua performance e ter uma postura mais cênica. Ele explica que o mágico é um ator que interpreta o papel de mágico.

Além do teatro, trabalha em uma seguradora. Não tem irmãos. Nunca conheceu o pai. Mora com a mãe, diarista, em Parelheiros.

Quando criança, via mágica na televisão e achava incrível. Se lembra do mágico Cris Angel, de estilo meio dark, sombrio. "Será que tem que ter pacto com o demônio pra fazer mágica?”. Melhor era ser médico, bombeiro ou professor de português.

Na faculdade, porém, quando um amigo fez uma mágica para os colegas, William constatou que não tinha nada a ver com o demônio. Ao contrário, era bem divertido

“Eu sempre fui meio tímido, eu ainda sou, mas eu era meio antissocial, não gostava de falar com as pessoas. Pra poder desinibir, eu precisava fazer alguma coisa, mas eu não tinha até então nada. E aí um dia, na faculdade, um amigo meu foi fazer uma mágica pra gente. E foi uma das melhores mágicas que eu vi porque foi de perto, né? Eu só tinha visto na televisão”.

Descobriu um quiosque de mágica em um shopping e comprou DVDs. Até que o quiosque fechou, mas William continuou. Passou a frequentar a  Associação de Mágicos de São Paulo (AMSP), com reuniões periódicas nas quais grupos de mágicos discutem números, e o Mercado Mágico, onde é vendido o material de trabalho.

O Mercado é, na verdade, uma reunião mensal no segundo domingo do mês no Largo do Arouche, no hotel San Michael. Lá, a maioria dos equipamentos é importado. Não existem kits de principiante à venda, os números - e como fazê-los - são vendidos separadamente. Quem vende no Mercado são os chamados "dealers", que comercializam novas maneiras de fazer algo clássico ou algo completamente novo e  exclusivo. "Só o mágico que criou o efeito sabe o segredo e vende esse segredo para os demais mágicos".

Também no Largo do Arouche, há mais de 50 anos, uma loja de mágicas estreita e comprida reúne os artigos mais básicos da arte mágica, além de máscaras, fantasias, caveiras e buzinas. Com fabricação própria, vende desde as clássicas bolinhas de espuma, por 23 reais, até aparelhos para o número em que pombos viram um coelho, de 700 reais.

Luiz Nogueira Vargas, gerente da loja há 15 anos, sabe os segredos todos. Mas não se apresenta, só dentro da loja, para vender mesmo. Ele explica que para começar na mágica é preciso pelo menos cem reais, o preço médio de um kit básico. Ele vende duas opções: com 50 mágicas o preço é 134 reais, já com 110 números, custa 179 reais.

Os aparelhos para números um pouco mais elaborados custam de 200 a 400 reais, cada. Assim, montar um show com mágicas de salão sai entre cinco a dez mil reais. Já um show de grandes ilusões pode sair dez vezes mais caro.

Mas não espere encontrar um mágico profissional em uma loja dessas. A qualidade que os profissionais buscam está nos itens importados do Mercado Mágico. "O baralho é o mais tradicional, quase todos são da marca Bicycle, pois tem uma qualidade muito superior aos que se vendem por aqui. Recentemente, a Copag começou a comercializar seguindo o formato dos baralhos importados, a pedido dos próprios mágicos. Isso ajuda porque os da Bicycle são mais estilizados e as pessoas não estão acostumados com eles, pensam que são baralhos 'mágicos' (risadas)".

Além do Mercado, outro ponto de encontro obrigatório é a AMSP. “Na Associação, na segunda-feira, tinham as reuniões que eles chamam de conferência. Vai um mágico, mostra algumas mágicas e revela como faz. E na última segunda-feira do mês tem apresentação de vários mágicos e é aberto ao público. Eu fui aprendendo mais por aí”.

É claro que a mágica exige também treinamento e ensaio. Muito. Disciplina é palavra de ordem - embora William confesse que esteja em falta nesse quesito. São dois domínios: a parte técnica, que é o movimento mecânico, e a postura cênica, que é a linguagem corporal. “Para uma mágica dar certo, tem que ter muito treino da técnica. A mágica é muito exigente em relação a isso, tem que ser no mínimo perfeito”.

Todo o esforço será recompensado. A mágica é uma pausa no estresse da vida corrida. “Fugir um pouco e ter um momento de deslumbre. Isso é a mágica. O mágico faz um convite apenas. Um convite pra viver o momento”.

Nem sempre as pessoas entendem assim. A palavra mágico evoca tanto imagens de circo, cartola, coelhos e crianças, como também uma ideia de que você está sendo enganado por um trapaceiro.

“Oi, meu nome é William, posso fazer uma mágica pra vocês?"

É um grupo maior de jovens e a ideia é que todos participem do número de alguma forma. Um deles cede e assina uma nota de dinheiro. A nota é enrolada com elástico. Outro deles segura o rolinho por debaixo de um lenço preto.

Olhos atentos. Sorrisos que escapam. Todos na tentativa de pegar o pulo do gato.

Num passe de mágica, o rolinho desaparece por debaixo do lenço. Outro do grupo segurava um tubinho metálico trancado. “Pode abrir”. A nota estava lá. Assinada, claro.

Risadas. Aplausos.

Presume-se que o mágico vai acertar, mas há talvez uma esperança - seria essa palavra? - de que algo dê errado. De que o gato seja pego. Mas não foi dessa vez. Melhor se render. E aplaudir.

“Nossa”.

A pior parte, para William, é quando tentam descobrir qual é o “truque”. “As pessoas acham que o mágico quer enganá-las. Elas chegam fechadas: esse cara tá querendo me enganar, deixa eu descobrir como ele faz”.

Não, não há como descobrir o segredo. Mágicos são verdadeiros túmulos. Revelar é fazer a mágica perder o encanto. “Sabia que os mágicos têm um código de ética? Esse é o primeiro mandamento: nunca revele o segredo. Faça uma mágica e ganhe um sorriso. Revele uma mágica e destrua milhares”.

William já errou alguma mágica? “Jáaaa”.

O caso épico foi um evento em uma igreja. Abordando um casal, a primeira mágica falha. A segunda também. A terceira idem. A frustração, acredite, é maior para o mágico. “Você acha que a pessoa não vai acreditar que você é mágico, aí você quer fazer outro número para provar isso”.

E como provar que existe um mágico em William?

“A gente vê as coisas, mas não para ver. Olhamos, mas não vemos. Ou vice-versa. A gente não repara e a vida é muito bela. Viver já é uma magia”.

Ok, estamos convencidos. 

*

“Eu vi o Giovanni pela primeira vez em um programa de mágica que tem todas as terças-feiras e eu frequentava para assistir. Em uma das semanas, era a apresentação de mágica dele. Depois vi sua conferência na AMSP e pude perceber que ele é alguém que está há muito tempo na mágica e se preocupa muito com sua apresentações, principalmente em como e quando abordar as pessoas. Ter conhecimento teórico é saber não só sobre a história geral da mágica, os passes, as técnicas, os timings, mas também saber o que não está estritamente ligado à arte, como por exemplo, ter postura, educação, simpatia e isso é um dos fatores que diferencia o Giovanni. Ele é um mágico clássico, um artista!"


Edifício Copan

Ouve-se da cozinha o arrulhar dos pombos. São dois machos, cada um na sua gaiola. E duas fêmeas, essas podem dividir o espaço. Todos os dias, voam pela sala para praticar e para serem treinados.

A sala, bem organizada, mesa de jantar, sofás, mesa de centro. Nas paredes, quadros de pássaros e flores e também um relógio de pêndulo que badala de verdade. Mas o que chama mesmo atenção são as fotos.

As duas maiores dividem o mesmo porta-retrato. Na primeira, Giovanni Bright, o mágico, com um pouco mais de cabelo do que hoje, veste fraque e um pombo está pousado em sua varinha, em um fundo azul claro de estúdio. Na segunda, tirada no alto do Copan, ele aparece de cartola. Ambas foram feitas para a primeira reportagem sobre Giovanni, na National Geographic, que juntava os dois aspectos pelos quais ele é midializado com frequencia: é um mágico e mora no Copan.

Magro, óculos pendurado, alguns fios brancos, rosto e nariz finos. Giovanni conta que começou na mágica treinando pombos. Isso porque antes criava canários. Ajudando o pai paisagista, ele aprendeu cedo a amar a natureza e os animais. Seus pombos ficam na área de serviço e suas plantas, muitas, no banheiro. Dos dois DVDs que tem para mágicos, um é dedicado a ensinar como treinar, e principalmente, como tratar os pombos: bastante carinho  e nada de judiação. Por isso, aliás, é que Giovanni não usa mais os animais nos shows: corre o risco de que sejam mal tratados.

O outro DVD é sobre como abordar pessoas na mágica close up. Na sala, as fotos menores são de suas apresentações nos restaurantes Famiglia Mancini, onde faz close up há oito anos.

“É uma história bonita. Porque quando eu comecei na mágica, eu passava ali perto do Mancini e pensava: um dia eu vou trabalhar aqui. Poxa, eu tinha uma identificação muito forte lá. Mas eu não fazia close up, eu só fazia palco e lá não tinha”.

Com a ideia fixa de trabalhar no Mancini, Giovanni entrou para um clube de mágicos e lá começou a desenvolver o close up. Até que um amigo o convenceu a ir até o restaurante oferecer o serviço de mágica.

“Estão precisando de mágico aqui?”

“Não”

De volta, o amigo dá a bronca: “Mas é claro que não está precisando de mágico, eles estão precisando de garçom, cozinheiro... É um restaurante!”.

Giovanni teria que saber vender seu peixe. “Eu vi que sua casa tem movimento e tal, seria legal ter um mágico pra distrair o pessoal, pra entreter o pessoal na fila…”. O gerente mandou que ele conversasse direto com o dono, quem achou boa a ideia e mandou que Giovanni voltasse dali a 20 dias.

No segundo encontro, o que Giovanni ouviu foi: “Olha, eu tenho seu cartão, se eu precisar eu chamo”.

Não satisfeito, Giovanni resolveu insistir mais uma vez.

“É o seguinte: está chegando a primavera… E fiz aparecer uma flor pra mulher dele e ele já cresceu os olhos. Falou: olha que legal seria fazer isso lá pro pessoal, tá bom, mágico, hoje à noite você pode vir? Posso. E aí comecei a trabalhar lá”.

Além do Mancini, Giovanni faz eventos corporativos e se apresenta no “O fino da voz” no Tonton Jazz em Moema, onde faz o espetáculo no palco, que é o que ele gosta de verdade.

“As pessoas gostam mais da mágica de perto. 'Poxa na minha cara!'. Eu me divirto fazendo close up, que tem essa reaçao imediata e me realizo no palco porque tenho a sensação de que as pessoas estão mais propícias a me ver”.

Para comemorar seus 50 anos de vida no dia  28 de dezembro deste ano, Giovanni está preparando um grande espetáculo de palco. O teatro já está, inclusive, alugado para ele. Por causa desse show, Giovanni agora frequenta aulas de canto.

Há um número, a “bengala bailarina”, no qual o mágico faz a bengala dançar. Mas isso não é suficiente: Giovanni quer também cantar a música. “Olha que engraçado... Porque eu sempre fui desafinado, até pra bater palma. É difícil [aprender a cantar], como a mágica também, tudo é difícil. Eu não nasci mágico”.

Giovanni Rodrigues nasceu em Alfenas, mas se mudou para São Paulo aos cinco anos, com os pais. Foram morar em Ribeirão Pires, onde os pais vivem até hoje. Três dos seus irmãos são mineiros, os quatro últimos, paulistas.

“Quando eu participei de uma peça de teatro na escola, a professora veio falar comigo e falou que eu tinha um dom artistíco. Eu nem ligava pra isso, não sabia o que era teatro direito. Estudei e fui parar no escritório”.

Giovanni estudou turismo e trabalhou em agência, emitindo passagens. Ficou 20 anos na área. Por causa do turismo, se mudou para o centro de São Paulo, estudou teatro e descobriu a mágica.

“Eu tive que fazer aula de teatro para lidar com o público no escritório. Porque eu era muito travado, muito tímido. Eu ainda me considero meio tímido,mas no palco eu extravaso. Acabei fazendo Macunaíma, um curso básico aqui em São Paulo mesmo”. Até hoje, Giovanni sente os benefícios de ter feito o curso porque “mágica é isso daí: teatro”.

Ele é sindicalizado pela Cooperativa Paulista de Teatro, já que não existe um sindicato de mágicos, embora a profissão seja legal e tenha DRT próprio. Frequenta a Associação Paulista de Mágicos (AMSP) para discutir números e orientar mágicos no início de carreira. E, sim, vive só da mágica. “Claro que é possível. Hoje a mágica tem ramificações: infantil, corporativo... É uma das profissões mais rentáveis. O valor do cachê varia muito, mas eu diria que é em média oito mil reais, podendo chegar a 15 mil, em épocas como o dia das crianças e dezembro".

Profissional há 11 anos, Giovanni descobriu a mágica quatro anos antes quando participou de um número em um cruzeiro onde estava a trabalho. Hoje esse número, em que se veste alguém da plateia de mágico e o mágico verdadeiro coloca as mãos por trás dessa pessoa e faz as mágicas como se o leigo estivesse fazendo, é o carro chefe de Giovanni

Para participar de congressos ou competições, já esteve em Fortaleza, onde ganhou o segundo lugar no Festival Nordeste de Mágicos; Chile, para participar da competição sul-americana deste ano; e Argentina, no Internacional Cine Magia.

Nos seus shows, Giovanni gosta de interpretar personagens. Na categoria de magia argumentada, que mistura as mágicas no enredo de uma história, tirou o segundo lugar na competição nacional em Fortaleza com um espetáculo no qual interpreta um mendigo em uma noite de Natal.

Agora, ele se prepara para apresentá-lo no campeonato sul-americano na Argentina no ano que vem e em 2015 no mundial na Itália. O roteiro é dele próprio, mas Giovanni tem um diretor para levar o espetáculo a um lado mais teatral. “Aquela coisa lá do passado que a professora me falou talvez esteja se refletindo agora”.

“Por eu viver aqui no centro, tenho convivência com esse pessoal [de rua] e me despertou um personagem para eu fazer na mágica e está sendo um sucesso”.

Giovanni está no Copan há 30 anos. “Achava muito bonito e gigantesco, isso me fascinou”. Divorciado, mora sozinho e não tem filhos. Foi casado por 11 anos com uma moça da agência de viagens. Hoje, se incomoda com a rotina do relacionamento e não se vê dividindo a vida com ninguém. Começou morando em um apartamento menor no bloco F, mas queria mesmo era o bloco A. Assim, como no Mancini, determinado que é, conseguiu.

“Eu tenho umas coisas que quando eu quero, eu consigo. Desde quando eu mudei pra cá, eu achava esse bloco mais a minha cara. Ainda morei alugado no 132 e aí apareceu esse e graças a Deus na ocasião eu pude comprar”.

Como se é de imaginar, já fez show de mágicas no Copan, como em 2004, quando ganhou o terceiro lugar no Congresso Brasileiro de Mágicos na categoria manipulação e apresentou o show no condomínio. Surpresa mesmo é o fato de que, também no Copan, dava aulas de lian kun, uma terapia chinesa boa para dores no pescoço e artrite

Do Copan ao Famiglia Mancini não são nem dez minutos a pé.

Famiglia Mancini.

A rede Famiglia Mancini é composta por praticamente todos os estabelecimentos comerciais da rua Avanhandava, frequentada por carrões e gente rica. São dois restaurantes italianos requintados, uma cantina, alguns bares e até uma galeria de arte.

Giovanni não tem muita hora para chegar, mas sai de casa geralmente às 20h e chega justamente quando começa o movimento mais intenso nos restaurantes.  De bom humor, cumprimenta todos - todos - e começa sua busca por espectadores.

Nem todos gostam de ter seu jantar interrompido. Giovanni não costuma fazer mágicas em mesas com casais ou com homens de negócio que estão em reunião. Mais certo mesmo é ir em mesas com crianças e, mesmo assim, quando já acabaram de comer, até para não criar conflito com os garçons.

Enquanto eles têm uma visão do lucro - servir e liberar a mesa -, o mágico tem o objetivo de entreter - e isso toma tempo. Mas hoje os tempos de guerra entre garços e Giovanni ficaram para trás. Embora um deles passe por ele e lance a piada infame: “faz uma mágica, Giovanni, troca uma nota de dez por cem”.

Agora, às 19h39, o movimento ainda está tranquilo. Nada de fila de espera. É possível reparar na deocração do restaurante: queijos, panelas, vinhos e taças para todos os lados, ambiente refinado, salões amplos. Som de piano tocado ao vivo. O couvert artístico é dividido entre os músicos e Giovanni.

Por enquanto. Giovanni, artista completo, é bem capaz de entrar para a banda.  "Eu não tenho medo nem vergonha de encarar o público. Qualquer dia eu vou cantar aqui". O mágico quer agregar valor a sua arte e não poupa esforços: se relacionar com o público, cantar, interpretar, dançar - tudo em prol da magia. “Neste momento da minha vida, mágica é amor. Hoje o que eu faço é amor, é arte”.

Aliás, Giovanni é o único artista autorizado a deixar seus panfletos na entrada dos restaurantes. A mordomia de chegar a qualquer hora, fazer divulgação e comer o que quiser veio a troco da confiança e do respeito que ele conquistou ao longo dos anos.

É um profissional dedicado. Treina todos os dias, principalmente seus números novos. Sempre tem que ter um número novo para o caso de algum cliente já ter visto os números habituais que faz no Mancini. De todos os tipos de mágica, a manipulação é a mais difícil e que exige mais ensaio, além de aquecimento nas mãos e nos dedos. “É a poesia da mágica porque depende de você, sem aparelho nenhum”.

Os outros tipos de mágica, Giovanni explica, são as grandes ilusões (com aparelhos elaborados, em um show no palco, que pode custar mais de 50 mil reais), magia de salão (há mais interação com o público), magia infantil, cartomagia e close up. Em todos os casos, a mágica lida com a surpresa e com a quebra da lógica.

A surpresa muitas vezes salva o mágico quando ele erra. Giovanni, que já errou muitas vezes, “claro”, sabe como fazer: “se o público não sabe o que vai acontecer, você pode dar outro final e consertar”.

Não saber o que vem pela frente é importante, por isso não se pode repetir um número. Muito menos, revelá-lo. “A pior parte de ser mágico é não ser entendido, não ser valorizado. Programa de TV que revela segredo não está valorizando nossa arte”.

Não, a bronca não é com o Mister M. Qualquer outro poderia ter revelado. O que incomoda Giovanni é a mídia pintar os mágicos como trapaceiros e enganadores. “A gente faz arte, entretenimento. É o encantamento que queremos levar para o público”.

Giovanni não revela seus truques. “Se você quiser aprender, eu ensino, agora se for só para matar a curiosidade, aí não”. É mais que curiosidade. As pessoas ficam deveras encafifadas com a mágica por causa da tal quebra de lógica. “É incrível na mágica, como a gente consegue trabalhar o cérebro da pessoa”.

No famoso número da metamorfose, por exemplo, onde o mágico amarrado é colocado dentro de uma caixa e, quando a assistente levanta o pano, eles trocam de lugar, ele aparece solto e ela amarrada, “o público fica doido”. “A gente desafia a lógica, não há explicação lógica. As pessoas não conseguem reproduzir como você fez. ‘Mas não dava tempo!’”.

De chapéu preto de aba curta, paletó preto estiloso, calça social, gravata borboleta e uma maleta que vira mesa, Giovanni está pronto para começar. Às 21h, o restaurante já tem fila de uma hora de espera.

Em uma mesa com três engenheiros, um deles já conhece Giovanni e pede que ele faça mágicas para seus companheiros. O mágico, então, apresenta seus números de toda noite: embaralha as cartas como um bêbado e encontra a escolhida; amarra uma aliança em um cadarço e, mesmo com duas pessoas segurando as pontas,  o cadarço passa por dentro da aliança; desenho animado com no bloco de cartas que termina com o desenho da carta escolhida, um chocolate “bis” que aparece no baralho...

“O que é mais rápido? A visão ou a mão?”. Nossos olhos são velozes, mas como diz Giovanni, se a mão não fosse mais rápida, ele não teria emprego. “O mágico é o único artista que treina pra não ser visto”. Um músico, um ginasta, um ator mostra o que treinou. O mágico esconde o treinamento a sete chaves. Mas não é só rapidez, é também distração. “Tem que ter sempre o desvio de atenção do público e existe uma técnica pra isso”.

Mesmo que no fundo estejam torcendo para que o mágico erre, a reação nas mesas não varia muito: atenção e sorriso durante o número, risadas e aplausos depois. Enquanto Giovanni deixa a mesa dos engenheiros, aquele que já o conhecia comenta com os demais: “Agora como que ele faz isso aí eu nunca descobri…”

Na opinião de Giovanni - e de qualquer mágico - as pessoas são mais felizes quando não tentam descobrir o segredo e sim entendem a mensagem que é passada através da mágica. Até porque os números são sempre renovados. “Existem os mitos: como o da manga e o da cartola. Se o mágico não inova, vira o cliché: tá na manga, tá na cartola”.

“É mais fácil fazer mágica pra criança porque eles vivem a fantasia. Bobo é o adulto que quer descobrir o segredo. Se você não vai descobrir, é melhor só curtir”.

Para sua sorte, há uma mesa com duas crianças logo ali. A menina, mais velha, com uns sete anos, e um menino, mais novo, uns 4 anos, com carinha de choro e prato vazio. Os pais, venezuelanos, explicam que ele queria comer sushi e, como a família foi no restaurante italiano, ele não quis comer nada e ficou emburrado.

Giovanni, em espanhol, faz seus números, entre eles o das bolinhas vermelhas que somem ou se multiplicam quando passadas de uma mão para a outra. Também faz uma maçã de balão para cada um dos dois. O menino, com suas mãozinhas pequenas, participa dos números e, aos poucos, vai mostrando os dentinhos.

“A melhor parte é ver o encantamento das pessoas. Hoje as pessoas estão estressadas e violentas e  aí você arranca um sorriso de uma pessoa”.

Melhor que arrancar o sorriso de uma pessoa, é arrancar o sorriso de uma criança. Os pais ganharam a noite - no restaurante japonês não ia ter mágico - e Giovanni também.

*

“Gosto e admiro muito o trabalho do Ammirati, me divirto muito com o bom humor dele. Com certeza, ele faz parte dos grandes mágicos brasileiros e contribui muito para a divulgação da nossa arte, juntamente com o falecido Ênio Finochi, que fundou a  Associação de Mágicos de São Paulo (AMSP). Conheci o Ammirati em 2001 quando comecei a fazer parte da AMSP.

 

Galeria Olido

Um senhorzinho de 86 anos. A voz pelo telefone não dá dicas sobre a idade já avançada. E nem quem o vê caminhar com dificuldade pela avenida São João, mancando um pouco, passinho por passinho, imagina se tratar de um dos grandes nomes da mágica no país.

Mora no Morumbi e é “completamente casado” há 54 anos, pai de três filhos - um administrador de empresas, um formado em informática e o primeiro faleceu. “Ninguém quer nada com a mágica”. Três netos. “Eles também não querem nada com a mágica”. Um tem 24, um tem 20 e “uma netinha linda que tem 10 anos, ela gosta de mágica, ‘vovô, faz pra mim’, ela diz que faz na escola para as amiguinhas”.

Paschoal Ammirati preside a Associação dos Mágicos de São Paulo (AMSP) há - “você não vai dar risada?” - 50 anos. Assumiu o posto em 1963. “Você acredita? Ganhei do Fidel Castro”.

As atividades da AMSP acontecem nas segundas-feiras, o dia tradicional de folga dos artistas. Antes semanais e agora quinzenais, as conferências na Funarte  reunem mágicos para discutir números e fazer apresentações nas chamadas Noites Festivas.

Fora do Brasil, Ammirati é Fra-Diavolo. O nome artístico é originalmente de um bandido italiano nascido na segunda metade do século XVIII. “Quando eu ingressei na arte mágica, eu estava lendo a vida dele e o secretário falou: qual vai ser seu pseudônimo? e eu: Fra-Diávolo. E acabou ficando”.

No Brasil, Amirrati é Ammirati mesmo. Aquele senhor que ganhou do Fidel.

Entrevista sobre mágicos? Quinta-feira? Pode ser quinta-feira sim, no Centro Mémoria do Circo, na Galeria Olido, São João com Dom José de Barros, sabe? E-mail pra confirmar? Não, não uso e-mail não, só o telefone mesmo.

O Centro Memória de Circo fica não por acaso na Galeria Olido, na avenida São João, bem em frente ao largo Paisandú. Era ali, na esquina da Dom José de Barros, que os artistas se reuniam. Era o “ponto dos artistas”, no número 518 da São João. Toda segunda-feira, ficavam uns 200 artistas ali: de circo, mágicos, malabaristas.

Entre eles, um grupo de mágicos do Rio de Janeiro, liderados por um mágico chamado Bakito, que questionou por que só havia entidade representativa para o circo e resolveu criar uma para mágicos. Através de diversas reuniões, a AMSP foi fundada em 14 de maio de 1955. O primeiro presidente foi Manoel de Nóbrega, pai do Carlos Alberto de Nóbrega, “aquele que faz a Praça é Nossa”.

Hoje, no Largo Paisandú, um palhaço de cabelo metade rosa, metade verde, pintado na parede de um prédio seria único indício de que era ali o ponto dos artistas, se não fosse pelo Centro na Galeria Olido. 

Na sobreloja da Olido, a exposição “Hoje tem espetáculo” documenta a história do circo e nos a apresenta em imagens, acessórios e textos escritos em fonte circense. Na entrada, uma grande foto exibe três crianças espiando o show pelas cortinas, logo abaixo de uma placa que diz “é expressamente proibido olhar pelas cortinas”. É um convite. São 11h. Apenas seis jovens, aparência de artistas, visitam a exposição. Em uma parede, uma grande homenagem aos palhaços memoráveis. Na outra, em frente, a linha do tempo do circo. Os jovens tiram fotos das fotos antigas daquela região dos artistas de São Paulo. Uma imagem aérea do Largo Paisandú pregada no chão e uma corda que a atravessa de uma diagonal a outra permitem atravessar a paisagem se equilibrando bem no alto. Lá fora, os prédios e os transeuntes do centro. Barulho de ônibus.

Não é preciso ir até a sobreloja. Uma sala, no térreo, dá o aperitivo com decoração vermelha e laranja, luzes penduradas e músicas que nos ambientam no circo. Ao centro, uma grande maquete dele mesmo, o circo, como todos imaginam. Nas paredes, um espaço dedicado a cada tipo artista com uma foto e um texto explicativo. 

Os mágicos também estão lá. Na categoria "ilusionismo" do circo, estão as categorias: cartomagia, escapismo, mentalismo, grandes ilusões, prestidigitação e close-up. "A maior habilidade do mágico é conseguir atrair a atenção do público e levá-lo a seu campo de ação. [...] No final do século XVIII, o ilusionismo começou a se destacar como entretenimento, se popularizando no mesmo período em que surgiram grandes descobertas científicas. Ele deve grande parte das suas origens a Jean Robert-Houdin, que abriu um teatro de magia em Paris na década de 1840".

A presdigitação é a "presteza dos dedos do mágico", ou seja, sua habilidade em manipular de forma que o público não perceba o que está sendo feito. O escapismo, como o nome diz, são os perigosos números nos quais os mágicos escapam da morte ao sair de um baú jogado no rio antes de afogar-se, por exemplo. O mentalismo é a telepatia, que induz uma pessoa a agir conforme seu desejo.

Embora os mágicos estejam ali aproveitando o espaço do circo, hoje em dia, estão cada vez mais separados. O mágico não é bem adequado ao circo,  é mais para teatro, explica Ammirati.

“O circo de um modo geral está decadente. O dono de circo não faz muita questão de mágico não. Mas, em Las Vegas, em compensação, todos os cassinos, todos, têm mágico”.

“Pode perguntar o que você quiser”. O veículo não interessa muito, e nem quando vai ficar pronto. O vovô está disponível e só quer mesmo ajudar. “Fala alto que eu sou meio surdo”. Ele conhece os procedimentos, com certeza já perdeu a conta de quantas entrevistas deu. As respostas são curtas. As perguntas são óbvias.

Nasceu na cidade de São Paulo em nove de julho de 1927. Ammirati mágico, só trabalha fim de semana. Durante a semana, usava a habilidade com as mãos para outro fim: doutor Ammirati é cirurgião dentista, agora já aposentado. “A mágica começou como hobby na minha vida e eu nem pretendia ser profissional, acabei me transformando em profissional, depois de muitos anos”.

“De vez em quando, meus pais iam assistir os espetáculos que eu fazia. Gostou? É, mais ou menos”. Não teve o apoio dos pais, nem dos filhos. “Meu pai era mais de teatro e ele queria que eu seguisse isso, mas eu apliquei muito a minha parte teatral à mágica”. O pai, antes de ser engenheiro, era teatrólogo.

Quando era garoto, ficava de olho nos espetáculos de mágico nos cinemas do bairro. Por volta dos 16 anos, conheceu um mágico chamado Tupi que foi quem o orientou primeiro na arte mágica. 

Queria ser médico quando crescesse, mas a mágica mudou o rumo da vida. “Como vi na mágica uma possível profissão, pensei que como médico não teria muito tempo pra ser mágico. Como dentista, dá pra quebrar o galho”.

Deu pra quebrar o galho: ganhou o primeiro prêmio em magia cômica na Argentina em 1980 e 1981. Também ganhou prêmios de magia para criança no Paraná em 1978, no Rio Grande do Sul e na Bahia na década de 1980. "Era minha época de ouro da mágica. Agora é a época do ferro velho", brinca ele. Além disso, fez espetáculos e organizo festivais em Campos do Jordão, Águas de Lindóia, e Guarujá. "Participei de festival no ABC: Argentina, Bolívia e Colômbia. Agora, o D é de Diadema".

Nunca deu aulas de mágica, mas dava orientações aos que pediam. Só com o baralho, tem mais de 300 números. Ammirati acompanhou a evolução da mágica. E não estamos falando da nova mágica chamada tecnólogica, feita com iphones e ipads. "Por exemplo, com o advento do plástico, as coisas melhoraram muito porque não fabricavam aparelhos de plástico antes".

Já errou? "Jáaa. Já, inclusive matei pombo. Mas não escreve isso…". Era um número com uma bandeja e duas bexigas em cima. Ao explodi-las deveriam aparecer dois pombos, mas um estava morto. A regra é clara: se errar, continua. "Ninguém vai entender o que você fez, mas tanto faz".

Segundo Ammirati, a última contagem, feita há quatro anos, no Rio de Janeiro, mostra que o país tem 250 mágicos. A estimativa é feita com base no número de associados em cada estado.

Ammirati acha que hoje é possível viver de mágica, mas tem que ser muito bom para vencer a concorrência no entretenimento. “Esse negócio de eletrônica, de joguinho, de game, não tinha. Então hoje o mágico bom ganha mais quando realiza espetáculos comerciais, de empresas. Particular caiu muito porque as crianças preferem videogame, karaokê...”.

Ah! As crianças! “Adoro criança”. Ao contrário do que o nome artístico sugere, elas são sua especialização.

Contratado pelo Governo, fez shows pra mais de 28 mil crianças da rede estadual. “Era uma promoção do Conselho Regional de Odontologia, eu fazia meia-hora de mágica e meia-hora de um filme sobre higiene bucal”. Por um show de 40 minutos para crianças, o mágico recebe em geral 400 reais, segundo ele.

“Eu fazia todo tipo de mágica, mas depois me restringi ao close up - a mágica de mesa, com barbante, com fósforo, com dedal - e pra criança”. Um exemplo de mágica para criança, clássico, é o número no qual se amarram dois lenços dentro da calça de um menino. Duas meninas, cada uma de um lado, seguram as outras pontas dos lenços e quando puxam: voilà! Uma cueca!! “A molecada morre de rir”.

"O primeiro a fazer uma rotina inteira pra criança fui eu. Eu. Só com números dedicados a criança, pra mexer com o raciocínio delas", diz orgulhoso. A mágica, para Ammirati, é entretenimento, do qual participa ativamente a ilusão de uma coisa que não ocorre. E a intenção é entreter, não enganar.

Ammirati divide o público em  "expectador excelente" e "expectador chato". O primeiro assiste e aplaude sem se preocupar. O segundo é o que insiste na pergunta "como é que você fez?".

"Eu tinha um número que eu fazia sumir um litrão de Coca-Cola, chegaram a me oferecer dois mil reais pra revelar como eu fazia". Perda de tempo. "Se eu revelar, eu vou perder a clientela". O segredo é a sobrevivência do profissional, contá-lo mata a mágica.

"Tem o expectador chato, mas o público de um modo geral adora". Ammirati conta de uma pesquisa feita há mais de dez anos com pessoas na rua cujo resultado foi: 90% adora mágica, 5% a odeia e 5% é indiferente.

Para o público, as grandes ilusões é que impresionam. Os mágicos valorizam mais a manipulação. Mas tem que ensaiar. "É árduo, árduo. Manipulação é ár-du-o". Isso porque nas grandes ilusões, o aparelho é que faz a mágica. Já na manipulação tudo está, literalmente, nas mãos do mágico.

Com a mão direita, tirou o anel da mão esquerda e o segurou enquanto dizia “se eu pegar um anel, fizer isso aqui e jogar…”

Lançou a mão direita para cima e jogou. Ao abrir os dedos, não havia nada. O olhar de súbito foi para a mão esquerda, que brincava com o anel entre os dedos.

"... eu que estou manipulando, sou eu. Agora, se eu pegar um aparelho que faz o anel sumir, aperto um botão e ele some".

Ammirati ensina que existe uma expressão na mágica chamada "miss direction", que significa orientar o olhar do público para um local que favoreça o fazer da mágica. "Quando eu faço isso [tirar o anel da mão esquerda com a direita] , eu levei a mão direita para longe da esquerda na hora. Isso é miss direction, é o público olhar pra cá [para a mão direita]. Ninguém vai olhar pra mão esquerda [a mão que na verdade guarda o anel]˜.

Está aí a beleza da manipulação. "Tanto é que o Tihany, que foi meu cliente como dentista, era manipulador e começou a fazer grandes ilusões, hoje tá com 97 anos, mora em Las Vegas, vida mansa, vendeu o circo, que tá no Rio de Janeiro, uma maravilha, uma beleza de circo".

Pela tranquilidade de Ammirati, bom velhinho, andando devagarzinho em direção ao Banespa, pode-se dizer que também está na vida mansa. Nada mais justo que a aposentadoria. Mas só como dentista, claro. "A molecada já me vê e já vem". Preocupado com "esse negócio de pedofilia", ele dispensa todas as crianças que batem em sua porta pedindo mágicas. "Quando eu estiver lá embaixo, pode me pedir, no apartamento não".

Ammirati trabalha com o público mais grato. Criança adora participar da mágica. "Quando eu tiro alguma coisa da orelha de uma, a outra fala ‘tira de mim!'. A outra: ‘você não tirou de mim!’". Mas não se engane. A melhor parte ainda é receber o cachê.



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