Dinheiro virtual vale?
Muito. E os preços do Bitcoins vêm crescendo nos últimos meses
Por Daniela Frabasile - Edição Sumiço - dezembro de 2013

Se há alguns séculos a busca por ouro era um caminho para a riqueza, nos dias de hoje, existem pessoas que fazem uma mineração diferente – a mineração vitual. A busca já não é por metais preciosos, mas por uma moeda virtual chamada Bitcoin, criada em 2009.

Apesar de existir apenas na internet eser, em essência, uma equação matemática, estima-se que, hoje, esse mercado envolva US$ 9 bilhões ao redor do mundo. São inúmeros sites que oferecem o serviço de compra e venda de Bitcoins em diversos países, nos quais se pode comprar a moeda em troca de dinheiro "real".

Os valores de troca variam muito: no dia 10 de agosto de 2013, o preço médio de 1 Bitcoin era US$ 92,35. O preço disparou, e três semanas depois, no dia 31 de agosto, 1 Bitcoin (ou BTC) era comprada por US$ 133,59. Alguns meses depois, em novembro, o valor dos Bitcoins disparou ainda mais, e no dia 21 de novembro, o preço chegou a US$ 720 – e foi a US$ 965 no dia 27 do mesmo mês (dados do site Bitstamp, um dos maiores sites de venda da moeda).

No Brasil, um BTC era vendido por aproximadamente R$ 30 em janeiro no site MercadoBitcoin. Em setembro, uma unidade é vendida por R$ 308. Já no começo de dezembro, o valor de um Bitcoin é de R$ 2.876. Isso quer dizer que uma pessoa que comprou R$ 100 em BTC no começo do ano teve um lucro de R$ 9486 – em menos de um ano!

A valorização mais recente se deve a uma reunião do Senado norte americano, onde o Departamento de Justiça garantiu que o Bitcoin é um ativo legal de troca, apesar de levantar diversas dúvidas sobre a moeda.

Mas afinal, por que o Bitcoin, essa equação, vale? Basicamente, por que acredita-se que elas tenham esse valor. Se alguém aceita trocar algo (seja um bem ou um serviço) por dólares, reais ou Bitcoins, é por acreditar que outras pessoas também oferecerão bens ou serviços em troca dessa moeda.

Além do valor, o número de usuários também tem crescido muito. O site MercadoBitcoin teve cerca de 1.000 usuários nos primeiros 18 meses de funcionamento. Do começo desse ano até agosto, esse número chegou a mais de 6.000.

Esse mercado bilionário não é sujeito a regulação estatal alguma. As transações não são intermediadas por nenhuma instituição como um banco e é possível fazer transferências praticamente instantâneas de BTC para qualquer lugar do mundo – e sem pagar taxas.

Em países em crise econômica, como Chipre, Grécia e Argentina, muitos já começam a fazer suas reservas em Bitcoins, o que demonstra que confiam mais no sistema virtual e não regulamentado do que nas moedas de seus próprios países.

Gustavo Chamati, administrador e CEO do site Mercado Bitcoin explica “as moedas virtuais mexem com coisas que já eram muito bem estabelecidas na economia, que sempre foram assim. Uma delas é o fato de toda moeda ser essencialmente inflacionária”. No conceito de moeda que se tinha até hoje, toda moeda é controlada por um banco central, que emite dinheiro. Essa emissão causa inflação, porque a economia passa a ter mais dinheiro em circulação e as pessoas começam a gastar mais, mas sem que a capacidade de produção tenha aumentado, e o resultado é o aumento dos preços.

“Mas com o Bitcoin isso não acontece”, afirma ele, “ não há uma autoridade que  emita  a moeda a bel prazer. A quantidade disponível aumenta ao longo do tempo, mas não é possível variar essa criação, e é por isso que o valor da Bitcoin em relação a outras moedas tende a aumentar. Então ela é uma moeda que não tem essa característica da inflação. Ao contrário, ela é deflacionária”. Com uma quantidade de Bitcoins em circulação estável e o número de usuários crescendo à medida que a tecnologia se torna mais conhecida, o preço sobe.

 

Altos e baixos

É verdade que uma moeda que não é controlada por nenhum governo e que  não possui lastro acaba ficando completamente vulnerável às flutuações do mercado. Por isso, vemos que a os valores pagos por Bitcoin variam muito e em muito pouco tempo.

Desde sua criação, em 2009, o Bitcoin já teve bolhas e supervalorizações – um dos motivos que traz muitas dúvidas sobre a viabilidade da moeda virtual. Uma queda muito conhecida foi a de 2011, quando o valor caiu bruscamente, de US$ 17,50 para alguns centavos. Isso aconteceu porque um dos mais importantes sites de compra e venda de Bitcoins, o MTGox, foi invadido, e ficou fora do ar por um dia.

“Como o Bitcoin não é um ativo palpável, se baseia praticamente na utilidade de pagamento de moeda de troca – ou seja, de alguém aceitar isso como forma de pagamento em outro lugar – e na crença das pessoas de que efetivamente o valor pago por ele vai ser aceito em outro lugar”, explica Gustavo. “Quando acontece uma coisa dessas, como um hack na bolsa onde mais se negocia, há uma quebra de confiança. As pessoas começam a pensar se o que elas pagaram em um Bitcoin ainda vai valer daqui a um mês, será que a tecnologia é confiável. E na dúvida, todo mundo quer vender, e o preço vai lá pra baixo”.

“Hoje, acreditamos que se uma das bolsas do mundo tiver um problema como a MTGox em 2011, o impacto não vai ser tão grande. Na época, quase 80% de todas as Bitcoins passava por lá de alguma forma, hoje isso está mais espalhado”, completa Rodrigo Batista, que também é CEO do site.

Em novembro deste ano, o Bitcoin ganhou mais espaço nos jornais, quando teve uma valorização vertiginosa – no dia 27, uma unidade era comprada por US$ 1.000. Isso aconteceu na mesma semana em que o governo americano promovia uma série de discussões sobre as oportunidades e riscos da moeda virtual. A conclusão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos foi de que esta é uma moeda legítima.

 

Como surgiu

A moeda virtual foi criada em 2008, com a publicação do paper de Satoshi Nakamoto, intitulado Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Por trás de um nome muito comum na China, Nakamoto é um anônimo. Nunca deu as caras, e desde 2010 sumiu da rede. Há quem diga que, na verdade, se trata de um grupo, e não de uma única pessoa.

Mas o que importa é que o paper de Nakamoto revolucionou o mundo das moedas virtuais. Nesse documento, ele cria todo o sistema, com o objetivo de ser um sistema seguro, descentralizado, com transações peer-to-peer (de pessoa a pessoa) e feitas pela internet, no qual todos os envolvidos nas transações fossem anônimos, e que não permitisse estornos.

Desde então, a moeda ganhou muitos usuários, teve seu sistema modificado e melhorado, e passou por crises, valorizações e desvalorizações.

 

Mas afinal, como tudo isso funciona?

Existe uma instituição, chamada Bitcoin Foundation, que é responsável por manter todo o sistema funcionando. Os códigos e a programação do sistema são completamente abertos – qualquer um pode ver e sugerir melhorias. Funciona como um software opensource.

A Bitcoin Foundation depende de doações e um dos motivos pelo qual foi criada era para dar maior legitimidade ao sistema – ainda que não exista uma regulação, existe uma entidade por trás da Bitcoin, e ela é completamente aberta. Mesmo assim, a fundação segue os princípios de descentralização. Não há uma estrutura tradicional de liderança, e a rede de colaboradores está aberta a novos membros.

Desde a sua criação, em 2009, por Satoshi Nakamoto, a moeda é emitida em uma taxa estável . Atualmente, são 25 Bitcoins a cada 10 minutos. Em 2016, esse valor vai cair pela metade, até que não serão mais emitidas novas Bitcoins – serão 21 milhões de unidades da moeda circulando pelo mundo.

As Bitcoins emitidas são divididas entre os mineradores. Em teoria, qualquer um pode começar a minerar Bitcoins. Isso significa que você deixa a capacidade de seu computador à disposição para processar os dados do sistema. A cada 10 minutos, é gerado um bloco. Nesse bloco, estão contidas as informações de todas as transações feitas no mundo, naquele período. Isso garante que as moedas não sejam usadas mais de uma vez, e dificulta fraudes, já que esses dados estão espalhados por diversos computadores ao redor do mundo.

“Em 2009, o processo de mineração era mais simples, qualquer um fazia com a CPU do computador. Depois, as pessoas criaram formas mais eficientes de mineração, e existem hardwares específicos para isso, se tornou um processo quase industrial”, explica Rodrigo Batista. E como as Bitcoins são divididas de acordo com a capacidade de processamento de cada minerador, estima-se que fazer a mineração de um computador comum não vale mais a pena – as Bitcoins obtidas não seriam suficientes nem para pagar a energia elétrica gasta.

O caminho mais fácil para conseguir o dinheiro agora é comprá-lo com moedas mais tradicionais. Existem vários sites que facilitam a compra e venda, entre eles, o MTGox, o Bitstamp, e, aqui no Brasil, o Mercado Bitcoin.

Esse dinheiro é armazenado em uma espécie de carteira virtual, que funciona basicamente como uma conta corrente em um banco. Para fazer as transações, só é preciso incluir o número da carteira de destino.

Além de podar usar a moeda virtual como forma de pagamento na internet, onde é possível comprar jogos de videogame, por exemplo, cada vez é maior o número de estabelecimentos que aceitam Bitcoin como forma de pagamento. Já são vários os hotéis, bares e restaurantes que aceitam a moeda. Mais recentemente, a maior universidade do Chipre passou a aceitar que os alunos paguem a mensalidade em Bitcoin.

 

O anonimato

Todas as transações são validadas pela rede de computadores que fazem a mineração, porém, não é necessário identificar a quem pertence cada uma das carteiras virtuais e portanto, todas as transações são anônimas. 

Com isso, os Bitcoins se tornaram um ativo muito útil a qualquer um que quisesse fazer negócios ilegais pela internet. O site mais conhecido e usado até esse ano era o Silk Road. Criado em 2011, esse portal reunia milhares de produtos a venda, principalmente entorpecentes, armas, produtos roubados. O Silk Road rendia aproximadamente 1,9 milhões de dólares por mês a seus mais de 500 vendedoras, mas no dia 2 de outubro, o site foi fechado.

Para Leandro César, criador do Mercado Bitcoin, a crítica ao anonimato precisa ser vista com cautela, “afinal, quando se usa dinheiro em espécie para comprar drogas, você também está fazendo uma transação anônima. É claro que as moedas virtuais anônimas facilitam esse mercado, mas não se pode colocar a culpa sobre o tráfico de drogas na moeda, afinal, a moeda mais usada para compras de drogas no mundo ainda é o dólar, e ninguém fala que devemos acabar com o dólar. E por mais anônima que seja, ela é mais rastreável do que uma nota de R$ 100, por exemplo”.

 

Questões de mercado

É claro que com tanto dinheiro e especulação envolvidos, tem muita gente que tenta lucrar em cima do dinheiro virtual. Os irmãos Winklevoss (conhecidos pela briga com Mark Zuckerberg sobre o início do Facebook) apostam na nova tecnologia como forma de negócio. Os irmãos alegam que, apesar de ser um investimento especulativo, a transparência do sistema dá maior segurança.

E o Brasil não fica atrás. Em 2011, Leandro César criou o primeiro site de compra e venda da moeda no Brasil. Ele conta: “eu tinha lido sobre, mas acho que, como a maioria das pessoas, não levei a sério e também não resolvi dedicar tempo a isso. Quando conheci a biticoins, em janeiro de 2011, ela valia menos de US$ 1. Aí, em torno de maio, daí ela chegou em torno dos US$ 35. Quando ela começou a subir, obviamente me despertou interesse.”

Gustavo e Rodrigo reforçam “ele foi pioneiro no Brasil, o primeiro a apostar no Bitcoin e perceber que havia uma oportunidade de negócio. Isso há dois anos atrás, quando a moeda ainda não era nada”, confirmam.

Os dois, que estudaram Administração na FEA-USP, se tornaram sócios do Mercado Bitcoin nesse ano, “eu já usava a moeda antes, mas foi só agora que entrei mais nesse assunto como empresário”, conta Rodrigo.

Já houve um problema na tecnologia que regula o Bitcoin. “Em uma das atualizações, perceberam que um Bitcoin existia em dois lugares durante um espaço de tempo – e podia ser gasto duas vezes. A versão nova e a versão antiga do protocolo não se falavam, mas isso foi corrigido rápido”, conta Rodrigo.

“Acreditamos hoje que a tecnologia é viável, que ela atende uma necessidade das pessoas ao redor do mundo, pois ela traz um leque de possibilidade de transação de pagamento que não existia até então e que ela pode ser usada como forma de pagamento ao redor do mundo. Existe um tempo para que ela seja regulada, e acho que a regulação está muito vinculada ao conhecimento das pessoas”, afirma Gustavo.



Nesta Edição
Anteriores
Home | Expediente